CAPÍTULO 40

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Uma conversa estranha que é sequência do capítulo anterior

A vida da garota havia sido desperdiçada nos antros mais perniciosos de Londres, mas ainda restava algo de sua natureza original e, quando ouviu os passos leves aproximando-se pela porta oposta à que entrara, sentiu o peso de sua própria vergonha e encolheu-se, como se mal pudesse suportar a presença daquela com quem iria falar.

Levantou os olhos o suficiente para ver que a figura que se apresentava era uma garota esguia e bela. Então, curvando-se, disse:

– É um assunto sério que me trouxe para vê-la, senhorita. Se eu tivesse me ofendido e ido embora, talvez um dia você lamentasse e não sem motivo.

– Lamento que alguém a tenha tratado mal – respondeu Rose. – Mas, diga-me, porque desejava me ver? Sou a pessoa por quem perguntou.

O tom bondoso da resposta, a voz suave, os modos gentis, a ausência de qualquer indicação de rispidez ou desgosto surpreenderam completamente a garota, e ela caiu em prantos.

– Ah, senhorita! – falou. – Se houvesse mais pessoas como a senhora no mundo, haveria menos como eu!

– Sente-se – falou Rose.

– Prefiro ficar de pé, senhorita – falou a garota ainda chorando. – E não fale comigo assim tão bondosamente até me conhecer melhor. Aquela porta está fechada?

– Sim – disse Rose recuando alguns passos, como se quisesse ficar mais próxima do socorro caso fosse necessário. – Por quê?

– Porque – começou a garota – estou prestes a colocar a minha vida e a de outros em suas mãos. Sou a garota que arrastou Oliver Twist de volta para o velho Fagin na noite em que saiu da casa de Pentonville.

– Você? – exclamou Rose Maylie.

– Eu, senhorita! – respondeu. – Sou a infame criatura de quem ouviu falar, que vive entre os ladrões e nunca conheceu vida melhor ou palavras mais gentis do que as deles. Fugi daqueles que certamente me matarão se souberem que estive aqui para lhe contar o que ouvi. Conhece um homem chamado Monks?

– Não – disse Rose.

– Ele conhece a senhorita – respondeu a garota. – E sabia onde estava, pois foi assim que a encontrei.

– Nunca ouvi esse nome – afirmou Rose.

– Algum tempo atrás, logo depois que Oliver foi colocado em sua casa na noite do assalto – continuou Nancy –, eu... suspeitando desse homem... ouvi uma conversa entre ele e Fagin. Descobri, pelo que escutei, que Monks o tinha visto acidentalmente com dois dos nossos garotos no dia em que o perdemos pela primeira vez. E que o havia reconhecido como o mesmo garoto que ele procurava, mas eu não sabia o porquê. Ele negociou com Fagin que, se Oliver fosse capturado de volta, pagaria uma determinada quantia. Além disso, o velho teria de transformar o menino em um ladrão, que era o que Monks queria por algum motivo.

– Qual o motivo? – perguntou Rose.

– Ele viu a minha sombra na parede enquanto eu tentava descobrir mais – falou a garota. – Mas eu consegui fugir e não o tinha visto até ontem à noite.

– E o que aconteceu então?

– Noite passada ele veio novamente. E consegui ouvi-lo através da porta, dizendo: Então, a única prova da identidade do garoto se perdeu no fundo do rio, e a velha que o tirou da mãe está apodrecendo no caixão. Eles riram e falaram sobre a investida de sucesso. Então Monks disse que, embora tivesse todo o dinheiro do pequeno diabo bem guardado, precisava derrubar o testamento do pai, deixando o garoto apodrecer em alguma cadeia da cidade, e então jogar sobre ele uma pena capital, o que Fagin poderia facilitar, após ganhar um bom lucro à sua custa.

Oliver Twist (1838)Onde histórias criam vida. Descubra agora