Oliver irrita-se com as provocações de Noah e parte para a ação
O mês de experiência acabara, e Oliver se tornou, formalmente, um aprendiz. Foi uma boa temporada de doenças. Em termos comerciais, os caixões estavam voando, e, em algumas semanas, Oliver tinha adquirido uma boa experiência. O sucesso da engenhosa ideia do Sr. Sowerberry foi maior do que o esperado. Os mais idosos não tinham lembrança de um período em que o sarampo tivesse sido tão frequente e tão fatal às crianças. E muitas foram as procissões a que Oliver compareceu para a indescritível admiração e emoção de todas as mães da cidade. Ao acompanhar o mestre na maior parte dos enterros de adultos, também para que pudesse aprender a serenidade de comportamento e o controle emocional essenciais a um agente funerário profissional, Oliver teve a oportunidade de observar e se surpreender com a forma como as pessoas lidavam com suas perdas.
Mas Oliver continuou a submeter-se humildemente à dominação e aos maus-tratos de Noah Claypole, que abusava ainda, pois tinha inveja de sua promoção. Charlotte o tratava mal porque Noah o fazia. E a Sra. Sowerberry o via como inimigo, pois o marido dava demonstrações de gostar dele. Então, entre os três de um lado, e um excesso de funerais do outro, Oliver sentia-se muito pouco à vontade.
E agora chegou a uma parte muito importante da história de Oliver, pois é preciso relatar um acontecido que talvez pareça pequeno e sem importância, mas que possibilitou uma mudança no futuro do menino.
Um dia Oliver e Noah desceram para a cozinha na hora do jantar. Charlotte não estava e, nesse breve intervalo de tempo, apesar de faminto, Noah Claypole resolveu atormentar o jovem Oliver Twist.
Em sua inocente diversão, Noah colocou os pés sobre a toalha da mesa, puxou os cabelos de Oliver e torceu suas orelhas, implicando como garoto pobre e maldoso que era. Mas, como Oliver não chorou, Noah tentou ser ainda mais jocoso.
– Bastardo, como está sua mãe?
– Está morta – respondeu Oliver. – Não fale dela!
Oliver ficou vermelho, sua respiração acelerou, e começou a tremer pela boca e narinas, o que o Sr. Claypole interpretou como o indício de uma crise violenta de choro. O homem prosseguiu:
– Do que ela morreu, bastardo?
– De tristeza, foi o que a enfermeira me contou – Oliver parecia estar falando consigo mesmo.
– Tolo de corda, zangadinho, bastardo – falou Noah quando uma lágrima rolou pelo rosto de Oliver. – O que te fez ficar choroso agora?
– Chega – respondeu rispidamente. – Não diga mais nada sobre ela. Acho melhor não!
– Melhor não! Ora! Bastardo, não seja imprudente – continuou Noah, encorajado pelo silêncio do outro. – Fique sabendo que sua mãe era uma aventureira das piores.
– O que você disse?!
– Uma aventureira das piores, bastardo – respondeu Noah tranquilamente. – E foi melhor que tenha morrido, senão estava trabalhando duro em Bridewell4, ou mandada nos navios5, ou enforcada, o que é mais ou menos a mesma coisa, né?
Vermelho de raiva, Oliver se levantou, jogou mesa e cadeira para o lado, agarrou Noah pela garganta, o sacudiu com violência e, juntando todas as suas forças, derrubou-o no chão.
Um minuto atrás, o garoto parecia uma criança quieta, branda, abatida pelo tratamento duro que recebera. Mas seu vigor finalmente aflorou. O insulto cruel à sua mãe morta fez seu sangue ferver.
– Ele vai me matar! – soluçava Noah. – Charlotte! Senhora! Socorro! Oliver ficou maluco! Charlotteee!
Os berros de Noah foram respondidos por um grito de Charlotte, que correu para a cozinha, e um mais alto da Sra. Sowerberry, que ficou parada na escada até ter certeza de que ninguém tinha morrido.
– Oh, desgraçado! – gritou Charlotte, empurrando Oliver com toda a sua força, que era bastante. – Seu in-gra-to, as-sas-si-no, bandido! – E, entre cada sílaba, Charlotte dava um forte soco em Oliver, acompanhado de um grito.
A Sra. Sowerberry entrou na cozinha e ajudou a segurá-lo com uma mão, enquanto arranhava seu rosto com a outra. Aproveitando-se da situação, Noah levantou-se e o espancou por trás.
Durou pouco tempo, e, quando estavam todos cansados de bater, levaram Oliver, debatendo-se e gritando, mas nem um pouco amedrontado, para o sujo porão e lá o trancaram. Feito isso, a Sra. Sowerberry afundou em uma cadeira e começou a chorar.
– Ah! Charlotte – falou a Sra. Sowerberry –, que bênção não termos morrido todos!
– Realmente, madame – foi a resposta. – Só espero que isso ensine o senhor a não acolher mais nenhuma dessas horríveis criaturas que nasceram para ser assassinos e ladrões. Pobre Noah! Estava quase morto quando eu entrei.
– Pobre garoto! – disse a Sra. Sowerberry, olhando com pena para o menino.
Noah esfregou os olhos com os punhos e fingiu algumas lágrimas e fungadas.
– Eis o que será feito! – exclamou a senhora. – O senhor não está em casa, não há um homem aqui, e ele pode derrubar aquela porta em dez minutos.
As batidas vigorosas de Oliver contra o pedaço de madeira em questão faziam dessa afirmação algo altamente provável.
– Corra até o Sr. Bumble, Noah, e diga-lhe que venha aqui rápido!
Noah não contestou e foi correndo o mais que pôde.