Mostra o quanto o Judeu e Nancy estavam afeiçoando-se a Oliver
Na sala obscura de uma taverna, na parte mais miserável de Little Saffron Hill, um antro sombrio, estava o Sr. William Sikes. Aos seus pés, um cão branco de olhos vermelhos, que se ocupava alternadamente de piscar para seu dono e lamber um grande corte recente no canto da boca.
– Quieto, seu verme! Fique quieto! – falou Sikes quebrando o silêncio e chutando o animal.
Cães geralmente não reagem aos maus-tratos infligidos por seus donos, mas o cachorro do Sr. Sikes não fez menos do que cravar os dentes em uma de suas botas.
– Vai me morder? – falou Sikes segurando um tição. – Venha, seu demônio! Não ouviu?
Sem dúvida o cão ouvira, mas ficou onde estava e rosnou com mais ferocidade, ao mesmo tempo que agarrava a ponta do tição com os dentes.
A porta foi aberta subitamente, e o cão correu para fora, deixando Bill Sikes com o tição na mão.
É preciso haver duas partes para uma briga, diz o velho ditado. Desapontado com a participação do cachorro, Sikes transferiu sua parte na briga para o recém-chegado.
– Que diabos você vem se meter entre mim e meu cachorro? – gritou.
– Eu não sabia, meu rapaz – respondeu o recém-chegado Fagin.
– Não ouviu o barulho?
– Nem um som, Bill.
– Oh, não! Você não ouve nada, não é? – replicou Sikes zombeteiramente.
O velho esfregou as mãos e sentou-se à mesa
– O que tem a me dizer? – perguntou Sikes.
– Tudo passou com segurança pelo caldeirão – respondeu Fagin. – E aqui está a sua parte. É mais do que deveria, meu caro, mas sei que me dará um bom retorno da próxima vez e...
– Pare com esse jogo – interrompeu o ladrão impacientemente. – Onde está? Entregue!
– Sim, sim, Bill. Aqui está! Tudo! – Enquanto falava, tirou um velho lenço de algodão do bolso e, desamarrando o nó de uma ponta, retirou um pequeno pacote de papel. Sikes abriu-o e começou a contar as coroas que continha.
– Você não abriu o pacote e engoliu uma ou duas quando estava vindo, não é? – suspeitou Sikes, tocando a campainha, que seria respondida por um outro malandro.
Bill Sikes apenas apontou para o jarro vazio. O homem, entendendo o gesto, retirou-se para enchê-lo.
– Tem alguém aí, Barney? – perguntou Fagin.
– Nem uma alma – respondeu Barney, cujas palavras percorriam um caminho pelo nariz.
– Ninguém? – falou Fagin em tom de surpresa, o que talvez significasse que Barney podia dizer a verdade.
– Só a Srta. Dancy – respondeu.
– Nancy! – exclamou Sikes. – Onde?
– Está no dalcão, comendo – informou Barney.
– Mande para cá – mandou.
Barney olhou timidamente para Fagin, como se pedisse permissão, então saiu e retornou trazendo Nancy, que ainda vestia a touca, o avental e a cesta.
– Você está no rastro, não é, Nancy? – perguntou Sikes.
– Sim, estou, Bill. E também estou cansada disso. O pirralho tem estado doente e confinado ao berço, e...
– Ah, Nancy, querida! – falou Fagin, olhando para cima.
Ora, se a peculiar contração das sobrancelhas ruivas do velho alertou Nancy de que estava falando mais do que devia, não é tão importante. O fato é que, de repente, ela se ajeitou e mudou o rumo da conversa. E em pouco mais de dez minutos, colocou o xale sobre os ombros e declarou que era hora de ir embora. O Sr. Sikes resolveu acompanhá-la, e Fagin ficou lendo o jornal.
Enquanto isso, Oliver Twist seguia seu caminho até a livraria. Quando chegou na Clerkenwell, acidentalmente virou em uma rua lateral, mas só descobriu o erro quando já tinha andado bastante. Então, achou que não valia a pena voltar e apressou o passo.
Pensava sobre o quanto estava feliz e como gostaria de ver o pequeno Dick. De repente, foi interpelado por uma garota que gritava muito alto: Oh, meu querido irmão! E nem teve tempo de ver quem era quando foi agarrado.
– Não! – gritou Oliver se debatendo. – Me larga. Quem é você? Por que está me agarrando?
– Oh, meu querido! – disse a garota. – Eu o encontrei! Oh, Oliver! Garoto levado! Fazendo-me sofrer tanto! Vamos para casa, querido, graças aos céus, eu o encontrei! – Com essas exclamações a garota demonstrou tanta histeria, que duas mulheres que passavam naquele momento perguntaram se ela precisava de um médico.
– Ah, não, não se incomode – disse a garota, segurando a mão de Oliver. – Estou melhor agora. Ele fugiu há cerca de um mês de seus pais e juntou-se a um grupo de maus elementos.
– Jovem patife! – disse uma das mulheres.
– Eu não a conheço. Não tenho irmã. Eu sou um órfão. Moro em Pentonville. – E, finalmente conseguindo ver o rosto da garota, gritou: – Ei, é Nancy!
– Viram? Ele me conhece! – gritou Nancy apelando para os passantes.
– Que diabos é isso? – disse um homem com um cachorro branco. – Jovem Oliver! Vá para casa agora!
– Eu não os conheço. Socorro! – gritou Oliver debatendo-se.
– Sim, vou ajudá-lo, seu pequeno malandro! Que livros são esses? Andou roubando, é? Dê-me isso – o homem bateu com os volumes na cabeça do menino.
– Isso mesmo! – gritou alguém que assistia de uma janela.
– Vai lhe fazer bem! – disseram as duas mulheres.
– E vai mesmo! – retrucou o homem. – Venha, seu vilãozinho! Aqui, Bull-Eye, tome conta dele!
Fraco com a recente doença, atordoado pelos safanões e pela rapidez do ataque, aterrorizado pelo rosnado do cachorro e pela brutalidade do homem, subjugado pelos passantes que achavam que era o pequeno vilão que tinham descrito, o que uma pobre criança poderia fazer? Resistir era inútil. E logo estava sendo arrastado por um labirinto de ruas escuras e estreitas.
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As lamparinas a gás estavam acesas. A Sra. Bedwin esperava ansiosamente por algum sinal de Oliver. E os dois cavalheiros ainda estavam sentados, perseverantes, na escura sala, com o relógio entre eles.