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Ao meu redor, as árvores faziam seus barulhos costumeiros; e abaixo, após alguns poucos metros de terra e grama,  dunas repletas de construções e casas se mantinham quietas pela madrugada

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Ao meu redor, as árvores faziam seus barulhos costumeiros; e abaixo, após alguns poucos metros de terra e grama,  dunas repletas de construções e casas se mantinham quietas pela madrugada. Os portes de luz entre as ruas podiam facilmente se assemelharem as estrelas acima e, de certa forma, conseguiam brevemente me reconfortar.

Havia tentado voltar para casa assim que saí da residência de Austin com o coração partido, mas sequer consegui pisar na varanda sem desabar de vez. Não pelo o que aconteceu minutos antes, com o moreno, mas porque eu havia percebido que os gritos de meus pais conseguiam ultrapassar as paredes e ecoavam pela rua livremente, mostrando a todos o que ali dentro acontecia. Mostrando a todos o que tínhamos que suportar e qual seria o destino da família Harrison dali por diante.

Eu ainda persisti por alguns instantes na frente da casa, esperando que a coragem que sempre me invadia para fugir dali me fizesse entrar lá e enfrentar aquilo com fones de ouvido no volume máximo. Mas não consegui. Nenhum resquício de coragem me invadiu e eu sabia perfeitamente que fones de ouvido não me ajudariam em nada naquele momento, porque apenas em saber que um furacão de brigas e fúria acontecia no quarto ao lado já era o bastante para me arrancar lágrimas, dores no peito e um medo estridente que estremecia meu corpo. Por isso, retornei ao meu carro e dirigi sem rumo por horas, indo a Hallsford e retornando a Southergade algumas vezes, um verdadeiro consumo à toa de gasolina.

Quando decidi parar, estava no topo de um monte que servia para acampamentos e trilhas, observando a vista da pequena Southergade através do vidro frontal de meu carro, enquanto tentava ao máximo não cair no sono. Ou pior, no choro.

Eu confiava nas palavras que Austin me proferira, justificando sua hesitação e afirmando que os meus sentimentos por ele eram recíprocos. Eu acreditava nele. Austin me foi alguém especial, alguém com quem contei, com quem servi de conforto e, acima de tudo, alguém que eu gostei de verdade. Mas, como Blaise Davis e Eliot Calvin, o meu primeiro homem, o fiz de encosto e de um porto excessivamente seguro. Eu, apesar de tudo, não podia me escorar num homem. Em ninguém para ser exata. Precisava resolver meus próprios problemas antes de regressar para alguma coisa com alguém. Se for para fazer dessa forma, entupida de problemas e de crises, o máximo que eu conseguiria seria uma baita dependência emocional, e isso, futuramente, poderia causar minha autodestruição.

Contudo, confesso que existe um medo interno de perder Austin Dawson por esse distanciamento temporário e necessário. Será que, quando estiver apta a retornar, dessa vez, mais forte e segura do que nunca, ele ainda estará me esperando, agora, sem medo de que eu reprise a pior escolha da minha vida?

Suspirei com força e curvei minha cabeça ao encosto do banco, meus pés, descansados sobre o painel, balançavam ao som baixo de “Little Do You Know” e minha mente repassava intensamente todos os garotos com quem dividi momentos e os fiz de encostos.

Eliot, entre todos, foi o mais pressuroso. Fazia parte da orquestra de minha antiga escola e tanto quanto eu era virgem e só tinha 16 anos quando nos entregamos um ao outro no armário do zelador num dia decisivo para o seu grupo de musicistas amadores. Ele era apressado e via segundo após segundo passar quando estava dentro de mim em investidas rápidas e profundas. Ainda me lembro de sua respiração entrecortada e de seus palavrões bobos lançados não a mim mas à sua demora de chegar ao limite. Ele era bonito; tinha ombros largos, o corpo esguio e alto e olhos amendoados para combinar com o seu tom moreno oliva. Os cachos de seu cabelo castanho caiam como uma cascata por sua testa, quase chegando a cobrir seus orbes. E seus lábios eram cheios e macios. Normalmente ele vivia portando o estojo de seu violino no ombro e, no corpo, o uniforme amarelo com branco do colégio particular ao qual estudávamos. Nossa relação era boa, e apesar de ser clandestina, nunca nos foi vergonhoso demonstrar que havia algo rolando entre nós para os outros alunos.

Sintonia Silenciosa | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora