Meu cabelo parecia mais rebelde que o normal. Engraçado, em outros momentos, quando não necessito que ele esteja em um ótimo estado, os fios negros ficam brilhantes e perfeitos, próprios de comerciais de shampoo, mas agora, quando terei um encontro, ele parece mais duro e sem vida do que a última vez que passei uma semana inteira sem tomar banho, algo que não aconselho em hipótese alguma.
Urrei em frustração e joguei o pente no canto do quarto, agradecendo mentalmente por não poder ouvir o barulhinho agudo que o objeto faria ao colidir contra o chão. Sem escrúpulos e já prevendo que o relógio logo bateria 18h, comecei a bagunçar meus fios negros com os dedos, deixando-os da forma que sempre foram antes dessa minha ideia estúpida de me organizar para o primeiro encontro que teria em quase três anos. Se é que posso chamar isso de encontro. Sequer seria romântico, já que Madison é uma traidora — um dos adjetivos que mais repudio. Como lhe disse mais cedo no colégio, seria apenas mais uma forma de nos descontrairmos, já que sabia bem que ela tinha seus problemas e eu, os meus.
Após nossa discussão no domingo, minha relação com minha mãe azedou, e muito. Poucas palavras foram trocadas entre nós desde então, e iam desde perguntar se algum de nós estava bem a de o que eu iria querer para o jantar. Entendo sua preocupação e sua culpa em relação a minha surdez, mas um implante coclear e uma atenção excessiva eram coisas que eu, de fato, não queria agora. Ou sequer em outro momento. O implante, confesso, até que sim, se não fosse pelas consequências que ele custaria ao bolso de Aimée.
Distanciando minhas mãos dos meus fios negros pela primeira vez em 20 minutos, me contemplei no espelho presente em meu quarto, analisando desde minha calça jeans escura à minha blusa de mangas longas azul. Eu estava consideravelmente bonito, no fim das contas. Agradável até mesmo para alguém que sairia com Madison Harrison, uma garota linda pra cacete.
Aliás, será que ela estaria bonita? Ou melhor, será que estaria arrumada como havia lhe pedido? Por longos instantes, após me perder olhando os meus próprios olhos pelo meu reflexo no espelho, me perguntei se ela iria exagerar no perfume, ou, melhor ainda, se o deixaria na medida certa.
Mordi o lábio inferior e sorri com o pensamento, desejando profundamente que a segunda hipótese fosse a realizada.
Arrancando-me dessas imaginações depravadas e totalmente errôneas, um vulto — em sua maior parte — amarelo adentrou meu quarto, e apesar de poder tê-lo reconhecido pelo seu reflexo no espelho a minha frente, não consegui conter o susto.
Sustos são uma das mais fortes desvantagens de ser surdo. Você não ouve quando alguém se aproxima, e quando nota, a tal já está bem próxima, lhe dando um intenso — e nada inesperado — susto. Como cada caso é um caso, o aconselhável é torcer para que este alguém seja confiável. Quando se perde um sentido tão importante, seus círculos de amizades se reduzem (normalmente pelo preconceito ou pela dificuldade de comunicação) e sua confiança se torna como uma enorme e grossa parede de pedra; apenas pedreiros dedicados e insistentes conseguiriam escavar até o fim.
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Sintonia Silenciosa | ✓
Teen FictionMadison Harrison achava que o condutor das rédeas de seu destino estivesse de brincadeira com ela. A beleza, sem dúvida, era uma de suas principais qualidades, a razão pela qual atraía tantos olhares pelos corredores da Southergade High School e, de...