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Ainda era doloroso

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Ainda era doloroso.

Mais cedo, quando encontrei a Madison perdida dentro de mim e a abracei com todas as minhas forças para nunca jamais soltá-la, eu achava que seria invencível, que as discussões entre meus pais não iriam mais me afetar, achei que havia superado isso, até havia tomado uma atitude e posto as cartas na mesa para os dois.

Mas não!

Assim que atravessei a porta de entrada e encontrei a mala roxa da minha mãe seguida dos vestígios de uma discursão vindos da cozinha, pareceu que uma adaga flamejante havia atravessado meu peito e se afundado bem fundo em meu coração, machucando-me intensamente e magoando minha alma, me magoando com tanta crueldade que, no fim das contas, parecia que eu não havia me encontrado, de fato.

Se Austin não estivesse ao meu lado segurando minha mão e dividindo comigo, mesmo que inconscientemente, aquele constrangimento e dor, com certeza eu teria desabado na frente de meus pais mesmo, demonstrando com ainda mais nitidez o quanto eles me machucavam, o quanto, mesmo que sem querer, eles acabavam me levando a julgamento junto com a relação deles. Por que aquilo não acabava logo? Por que minha mãe não pegou suas coisas e foi logo embora, mesmo que isso acabasse machucando todos que residiam naquela casa de certa forma?

Me questionei sem descanso sobre isso horas depois, já na casa de Austin e abraçada a ele em sua cama apertada, ambos com o sono perdido, ambos sentenciados a passarem dias com a áurea maligna e pesada que nos seguiu da minha casa até ali.

— Sem sono? — Senti sua respiração açoitando meu pescoço e me provocando breves arrepios.

Encolhi meus ombros, prensando minhas costas em seu peitoral, e assenti, meus olhos focados em um dos vários aviõezinhos estampados no edredom que nos cobria.

— Eu também estou — anunciou, afastando-se de mim para se deitar de barriga para cima. — De alguma maneira, eu sabia que aquilo não iria acabar nada bem para você, mas fui surpreendido quando também fui afetado... — Um suspiro lhe escapou. — Nem dá para imaginar como é viver diariamente com aquilo, ouvindo diariamente aquilo que eu apenas pude ver.

Me virei em sua direção, observando seus olhos sombrios fitando o teto e sua calmaria plena e alucinante. Permaneci em silêncio, pois sabia que ele teria muita dificuldade em ler meus lábios na escuridão que o quarto se encontrava.

— Eu sinto muito que tenha vivido isso — ronronou, e seus olhos encontraram os meus no mesmo timing que pousei uma das minhas mãos em seu peitoral e acariciei seu cabelo com a outra. — Você está bem?

Dei de ombros, não sabendo responder aquela pergunta. Ainda doía muito, claro que sim, mas a presença do garoto conseguia acalmar meus nervos momentaneamente, quase me permitindo esquecer o que acontecera horas antes.

Apontei o queixo em sua direção, devolvendo a pergunta.

— Idem.

O silêncio foi ligeiro ao se misturar com a escuridão e nos deixar submersos em uma calmaria reconfortante e contínua, quase ininterrupta, e eu poderia facilmente acusá-lo por permitir que meu corpo fosse consumido por um instinto primitivo e fervoroso que me fez deslizar minha palma pelo tecido negro da camisa do garoto até o cós de seu moletom, onde apenas as pontas dos dedos ousaram penetrá-lo.

Sintonia Silenciosa | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora