Capítulo 11

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3 ANOS DEPOIS


5 de agosto de 2019

Alice

O barulho estridente do toque do meu celular me acorda. Mas não é o som do despertador, tem alguém me ligando. O som alto finalmente para e eu me sento na cama, esfregando os olhos, ainda sem saber que dia é hoje. Antes que eu possa realmente despertar, começa tudo outra vez. Pego o celular e vejo que é Hope, ué.

— Alô.

— Alice, me diz que eu não te acordei. — Nem preciso negar, minha voz de sono me entrega.

— Você tá estressada com o quê? — Nós duas normalmente não temos o melhor humor de manhã, mas ela não é de ficar assim.

— Você já olhou a hora? — Tiro o celular do ouvido e finalmente o motivo de tanta irritação.

— Meu Deus. Hope, eu tô quase chegando.

— Você nem se levantou ainda né?

— Eu devo ter esquecido de colocar o despertador. — No estado que eu estava, não estava lembrando de absolutamente nada.

— Vem rápido, você tem meia hora.

— Vou dar meu jeito.

— Se vira.

Eu nunca fui de me atrasar, mas esses horários malucos na lanchonete acabam comigo. Obviamente, tenho meus problemas pessoais me atrapalhando também, mas não posso deixar isso acontecer sempre. E não acontece. O que mais atrapalha mesmo são as constantes mudanças de horário. Cada semana é uma escala diferente e a minha única certeza é a de que não vou trabalhar no horário da faculdade. Pego uma roupa qualquer no armário e me troco o mais rápido possível. Meu estômago vai ter que esperar até minha pausa para ter o café da manhã dele.

Normalmente eu iria de metrô, mas hoje vou precisar chamar um carro em um desses aplicativos. Enquanto espero a motorista chegar, termino de colocar minhas coisas na bolsa. Pego o trabalho que preciso entregar na faculdade hoje e recebo a notificação de que ela já está me esperando. Confirmo a placa do carro e finalmente entro. Peço para ela ir rápido e agradeço mentalmente por ser uma pessoa tão compreensiva.

Mesmo com todos os esforços da moça, o trânsito não colabora comigo e eu chego quase vinte minutos atrasada. O caminho do carro até a porta de entrada dos funcionários da lanchonete é quase uma maratona para mim, e eu só torço para que o Tom não tenha resolvido aparecer aqui hoje cedo pra alguma vistoria surpresa. Esse lugar funciona 24 horas, então normalmente fica por conta dos gerentes de cada turno mesmo.

— Apareceu, finalmente. — Minha amiga fala assim que me vê passando pela porta dos fundos. — Eu tava achando que tinha acontecido alguma coisa. — Então...

— Aconteceu. — Ela me olha torto. — Não hoje, ontem.

— O que você quer dizer com isso? — Ela sabe exatamente o que eu quero dizer.

— Só o de sempre. Não se preocupa, eu to bem.

— Ali, tem certeza? Você poderia ter me ligado. — Esse discurso não é tão frequente mais, mas teve uma época que eu ouvia pelo menos três vezes em uma semana.

— Você mora longe, ia querer parar na minha casa a noite.

— Sim, mas...

— Hope, eu tô bem. De verdade. — Eu realmente estou bem agora, e ficar falando disso não vai fazer muita diferença. — Eu preciso me trocar.

— Corre, já estamos lotados e você tá fazendo falta.

— Tô indo.

— Esse lugar sempre enche assim? — Olho para ela quando me posiciono atrás do balcão. O café da manhã aqui é quase um pesadelo.

— Sim. Você foi dormir que horas? — Ela não vai me dar sossego.

— Alice, mesa cinco. Hope, mesa três. — Uma das outras meninas fala e eu agradeço.

— Precisamos ir. — Anoto o pedido da minha mesa, e quando entrego na cozinha, Hope me segura mais uma vez.

— Agora me responde.

— Não sei. Eu só apaguei enquanto chorava. — É... isso também não a assusta tanto mais.

— Alice, por favor, vem morar com a gente.

— Bateu a cabeça, foi? Eu não vou sair da minha casa.

— Eu odeio saber que você tá sozinha lá. — Eu também odiava no início, mas depois percebi o valor da privacidade e é bem difícil que eu volte a dividir a casa com alguém. — E se acontece alguma coisa?

— Alice, mesa dez. — A menina do caixa aponta e eu agradeço por ter me alertado.

— Já volto.

— O pedido da três tá pronto. — Assim que volto, o cozinheiro fala com Hope.

— Vai lá.

— Eu odeio as manhãs. — Ela reclama quando volta.

— Eu também. — Nós duas preferimos mil vezes quando trabalhamos de madrugadas, mas a regra aqui é intercalar os horários.

— E por que a gente ainda fica com esse horário? — Como se ela não soubesse.

— Porque a escala é rotativa.

— Alice. Vem morar comigo. — Ela vai insistir nisso outra vez?

— Eu já disse que não. Hope, você não pode colocar sua vida em torno de mim. Além de tudo, você mora com seus pais, não vou dar trabalho pra mais ninguém.

— Mas eu me preocupo com você. — Eu sei, e agradeço imensamente por isso. É bom ter alguém que acredite no que a gente fale.

— Mas não é pra tanto. Eu tô bem agora. Prometo que ligo se tiver outra vez.

— Você falou isso da última vez.

— Falei é? — Eu sei que sim, mas me faço de sonsa. Ela não precisa correr pra minha casa toda vez que acontecer uma mini crise.

— Eu vou te bater. Você precisa falar.

— Eu vou falar, só que não foi nada sério. Não me trate como se eu fosse de porcelana. Você sabe que eu odeio isso.

— Sei.

— Meninas, eu odeio ter que dar bronca, mas foquem um pouquinho mais só agora que tá cheio. — Felizmente nossa gerente é incrível e raramente briga de verdade com alguém.

— Tudo bem, relaxa. A Hope que estava me enchendo.

— Olha só garota, eu vou começar a te encher de verdade.

Brinco e vejo a gerente se afastando enquanto ri de nós duas. Todos aqui sabem que somos muito amigas, então já se acostumaram com as implicâncias e brincadeiras que fazemos uma com a outra. Eles também sabem que apesar de tudo, conseguimos manter o profissionalismo na maioria das vezes, então enquanto fizermos isso, vai estar tudo certo.

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