O clima na sala de audiência era daqueles tão pesados que você mal consegue respirar. Sério, eu acho que seria mais fácil respirar embaixo d'água do que naquela sala.
Manuela estava calada e concentrada, os olhos em fogo focados no ex marido. Ela parecia seriamente a Lara Croft prestes a sacar uma arma cromada de uma cinta na coxa e matar alguém com sete tiros no meio da testa.
Assustador.
João Guilherme fingia que não via, conversando amenidades com Veronica, que jogava alegremente o cabelo sedoso enquanto falava. Como se eles estivessem aproveitando um despretensioso passeio no Ibirapuera.
Mas eu via os olhares que ela me lançava de canto de olho.
Eu só lembrava da ultima vez que tínhamos dormido juntos, numa cama pequena do meu apartamento alugado da época. Do jeito desastroso como tudo tinha terminado.
O coração das mulheres podia ser bem vingativo. E, sentado entre minha ex ficante perigosa e minha cliente sanguinária, eu estava sinceramente com muito medo de nunca mais ver a luz do dia. De acordar com a boca cheia de formiga.
Enfim, vocês entenderam o pânico.
Pelo jeito, esse negócio de intuição funciona mesmo.
Graças a Deus, a excelentíssima juíza, Dra. Maria Berenice Dias, chegou a tempo de impedir a explosão de uma bomba atômica na sala. Pelo menos uma sorte eu tive na vida, por que a juíza designada era uma magistrada que eu já conhecia, muito tranquila e moderada. Ela tinha sido minha professora na faculdade, já era uma mulher mais velha que já tinha visto muito na vida. Era bem conhecida pela atuação exemplar no direito de família.
(COMENTÁRIO DA AUTORA: AMORES, EU NÃO VOU DESCREVER A AUDIENCIA COM PORMENORES JURÍDICOS, ENTAO NÃO VAI SER EXATAJMENTE A COISA MAIS FIEL DO MUNDO. MAS EU ADICIONEI E TIREI COISAS QUE NORMALMENTE NÃO ACONTECEM NUMA AUDIENCIA NORAML. COLEGAS ADVOGADOS LENDO ISSO FAVOR NÃO ME MATAR. GRATA).
- Boa tarde senhores. Estamos aqui para o divórcio litigioso das partes, sra. Manuela e sr. João Guilherme, correto? Bem, vamos à tentativa de conciliação. Ambas as partes desejam o divórcio, correto?
Os dois balançaram a cabeça, resignados.
- Nenhuma possibilidade de conciliação?
Ambos balançaram a cabeça vigorosamente. Acho que ambos tinham na cabeça vividamente a cena do flagra.
Ainda bem que o Joao Guilherme nao quis continuar com a cara de pau de falar que ainda amava a Manuela e que tinha sido apenas um desentendimento. Ele também nao falou da acusação ridícula de violência doméstica. Graças a Deus, aparentemente a Verônica tinha colocado um pingo de senso na cabeça dele.
- Então, vamos aos fatos. Senhora Manuela, foi a senhora quem solicitou o divórcio. Vejo aqui que juntou uma petição bem detalhada sobre uma suposta traição, inclusive pedindo danos morais. Também juntou uma planilha com divisão de bens. Está correto?
- Sim, excelência.
- Senhor Joao Guilherme, o senhor concorda com os cálculos feitos? Podemos fechar um acordo nos termos propostos pela autora?
- Não excelência. Os termos são abusivos. A autora alega uma traição que não ocorreu, sendo indevidos os danos morais. Ela também alega que eu teria desviado dinheiro dela para um suposto amante. Tais alegações não procedem. A partilha de bens foi desigual. Apesar do apartamento pertencer a ela, eu fiz diversos melhoramentos por ocasião de uma reforma, e devo ser ressarcido.
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Café com Leite
RomanceUma mulher traída precisa voltar para a fazenda do pai para não desmoronar. Ela só não imaginava que era por lá mesmo que ela ia encontrar exatamente o advogado de divórcio que estava precisando.