Capítulo 2 - Manuela

2.6K 440 164
                                    

Eu poderia me hospedar em qualquer hotel da cidade, o cartão de crédito seria meu melhor amigo nessa hora. Mas eu não queria encarar a impessoalidade de um quarto de hotel agora. Eu precisava urgentemente de um abraço.

Pensei nas minhas amigas, em sua maioria blogueiras de moda e maquiagem. Pensei que nenhuma delas era mais do que uma companhia fútil para dividir drinks na sacada de algum restaurante exclusivo. Provavelmente iriam até usar meu drama para angariar seguidores.

Não. Eu sabia a resposta desde o início. Eu precisava ir até Areias, na fazenda do meu pai. Não me sentiria segura em nenhum outro lugar no planeta. Sei que meu pai e minhas irmãs estariam lá, e era do apoio deles que eu precisava agora. Eu sabia que me amariam incondicionalmente, independentemente das circunstancias.

Liguei novamente o carro respirando fundo, tomando coragem para fazer o que eu sempre fazia: correr para o colo do papai quando a coisa apertava.

Peguei o celular para colocar no waze, e o bichinho descarregou antes que eu pudesse destravar a tela de início. Puta que me pariu ein.

Eu sei o caminho de cor. Eu sei chegar na casa dos meus pais, na fazenda que eu morei por vinte anos na minha vida. Pelo amor de deus. Eu não preciso do waze. Nem do google maps. Eu não vou me perder.

Ou eu ACHAVA que não ia me perder.

Areias é uma cidadezinha a trezentos km de São Paulo capital. Foi lá que se iniciou toda a tradição da minha família, com a fazenda que pertenceu aos meus tataravós e passou de geração em geração, sendo favorecida exponencialmente com o ciclo do café. Hoje possuímos uma das mais respeitadas marcas de café do mundo, com linhas tanto de café comum como de café gourmet de alto nível, que vende como água tanto no Brasil como em vários lugares lá fora.

E eu tenho uma confissão horrível para fazer.

Eu detesto café.

Eu me sinto traindo profundamente a minha família, mas eu não posso evitar. Eu obviamente nunca falei isso para absolutamente ninguém. Nem para o João Guilherme. Na casa dos meus pais eu bebo café com a maior cara de felicidade do mundo, mesmo querendo cuspir. E também nos eventos da empresa. Mas para os amigos eu costumo dizer que evito o consumo por causa do estomago delicado.

Maior desculpa esfarrapada, na real.

Mas eu detesto. É amargo. Não me levem a mal, eu gosto de coisas mais suaves. Como chá. Eu não disse que era uma dama?

Bom, uma dama muito perdida diga-se de passagem. Já era bem mais de uma da manhã e eu já tinha passado de Campinas, mas eu tinha uma vaga lembrança que eu deveria estar numa estrada diferente, talvez já passando pela altura de Rio Claro.

Sozinha no meu minicooper  vermelho, de madrugada, perdida numa estrada completamente vazia e sem bateria no celular.

Isso sem falar no chifre que o João Guilherme tinha enfiado diretamente na minha testa. Honestamente, era um chifre tão gigantesco que eu não sei como eu coube no carro.

Palmas para você, Manuela. Como sempre uma pessoa extremamente sensata na hora de tomar decisões.

Fui interrompida pelo apito vermelho da reserva piscando insistente no painel.

Sim. A reserva de gasolina.

Por que, como eu disse, o destino é um sujeitinho muito do mau caráter.

Continuei rodando na banguela, rezando fervorosamente para Deus, Oshum, Buda, Zeus e Princesa Diana (o que atendesse primeiro, não tenho preconceitos), pedindo para que houvesse algum posto de gasolina no caminho. E de preferência aberto e sem sequestradores perigosos me esperando.

Café com LeiteOnde histórias criam vida. Descubra agora