Capítulo 20 - Manuela

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Alguém aqui já foi a uma tourada?

Imagino que não. Hoje em dia é meio malvisto ficar espetando o coitado do touro até a morte.

Mas enfim. Eu perguntei por que naquele dia maldito eu estava me sentindo exatamente como um touro genocida.

Os chifres pelo menos eu já tinha.

Haha. Piada estúpida.

A raiva foi crescendo lentamente no meu corpo. Começou no dia anterior, quando eu descobri que tinha sido literalmente roubada dentro da minha própria casa. A raiva me deixou ainda mais desnorteada, por que no fundo eu tinha deixado aquilo acontecer no momento que eu não fui cuidadosa e não me atentei aos detalhes.

Depois a raiva de ver o Joao Guilherme com aquela cara de pau falando que eu tinha imaginado coisas. Ah, aquilo tinha me dado uma verborreia sem tamanho. Nem sei que santo baixou em mim, que eu falei sem gaguejar com uma juíza togada.

Era o signo de pinsher finalmente se manifestando, depois de tantos anos na inércia.

A raiva chegou a níveis estratosféricos quando aquele imbecil finalmente falou o que ele realmente pensava, do fundo da alma, sem mentiras. Que eu era só mais uma filhinha de papai alienada.

Aquilo partiu meu coração em milhões de pedaços. Em parte por que era verdade, em alguns sentidos (mas eu estava trabalhando para mudar isso, eu juro). Mas em parte por que é a ultima coisa que você deseja ouvir de uma pessoa que você considera muito, da pessoa com que você trocou juras de amor diante de deus.

Depois que ele falou isso, algo muito primitivo me inundou com violência titânica, como uma tsunami destruindo todos os resquícios de humanidade em seu caminho. Eu não era mais Manuela Morales Diniz, da espécie homo sapiens.

Ah não.

Naquele momento eu era um touro ferido numa arena em Barcelona. E o João Guilherme estava acenando um gigantesco pano vermelho sangue na minha direção. Todos os barulhos da audiência silenciaram, tudo em minha volta se turvou. Eu ouvia apenas um ruído agudo e persistente no pé da orelha, como o zumbido que você escuta no ouvido depois de ficar perto de caixas de som muito altas.

Minha visão se tornou preta e branca, com apenas Joao Guilherme na minha frente, de vermelho. Eu via o sangue quente fluindo na veia em sua jugular.

E eu simplesmente segui meu instinto mais primitivo, mais arcaico, mais animal possível.

Matar.

Não me importava meu vestido de seda novinho da Chanel. Ou minhas unhas de fibra de vidro pintadas de vermelho sangue. Certamente elas seriam úteis na hora de rasgar algumas veias.

Também não dei a mínima para o meu réu primário. Eu não precisava tanto dele assim.

Eu só precisava ver o sangue daquele crápula jorrar.

Eu simplesmente me lancei no babaca como uma flecha impulsionada por um arco tensionado. Focada, predadora, assassina.

E, se não tivessem me tirado de cima dele, eu provavelmente teria conseguido realizar minha intenção.

Vocês não ousem cruzar o caminho de uma mulher traída. E ainda por cima roubada dentro da própria casa.

Isso nunca tinha acontecido.

O surto assassino, eu digo. Afinal, eu já devia estar sendo traída há séculos, sem saber.

Mas o surto assassino, ah não. Eu sempre fui uma menina dócil, obediente. Propensa a obedecer a ordens, a não fazer as coisas por mim mesma. A engolir os desaforos com um sorriso gentil. Inclusive casar com um perfeito imbecil.

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