Capítulo 21 - Manuela

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Me sentei no sofá, como a menina obediente que eu costumava ser.

Daquele ângulo ele parecia ainda mais alto, a pele escura recortada contra as luzes da sala impecavelmente arrumada.

Café. Me dei conta que a pele dele era cor de café.

Ele se serviu de mais um pouco de whisky dourado e tomou puro mais uma vez. Ele parecia confuso, buscando palavras que simplesmente não existiam.

Ele ainda não estava decidido sobre o que queria falar.

Meu cérebro meio bêbado sentiu o cheiro de álcool e já ficou todo ouriçado. Eu beberiquei meu copo e aquele gosto forte de gasolina invadiu meus sentidos.

Eca. Como que vocês tomam whisky meu povo?! Coisa mais horrível.

De qualquer forma, eu não ia fazer uma desfeita. Bebi o copo todinho, mas fazendo bastante careta.

A bebida caiu igual um tiro de bazuca no meu corpo já envenenado por vinho suspeito e duas horas de Harry Potter dublado.

Uma mistura definitivamente explosiva.

E então levantei e me aproximei. Estava descalça, e me senti minúscula perto dele, tipo uma criancinha sequestrada no parque. Eu precisava olhar diretamente para cima para conseguir olhar nos olhos dele, entortando completamente minha coluna vertebral.

Olhos negros que me encaravam de volta.  Mais uma vez, tive a sensação de encarar diretamente um abismo sem fundo. Uma vertigem subiu pelo meu corpo, como se eu estivesse prestes a despencar nesse precipício.

Coloquei minhas mãos em seus braços, notando como minha pele era clara em contraste com a dele.

Como café e leite, antes que se misturem.

Gentilmente ele segurou meus pulsos e afastou minhas mãos de seu corpo.

- Não.

- Não o que?

Ele se virou, angustiado. Me deu as costas para encarar a janela. Uma chuva violenta tinha começado a despencar do céu, escorrendo pela vidraça embaçada.

Me levantei da minha cadeira com a coragem que tirei não sei de qual quinto dos infernos e me aproximei da janela, onde o calor de seu corpo ondulava pelo quarto feito uma fogueira fervente. Fiquei perto o suficiente apenas para sentir o cheiro suave que emanava de sua pele.

- Existe algo que precise me contar?

Ele se virou de volta pra mim, e havia duvida em seus olhos de abismo.

- Do que que o João Guilherme estava falando na audiência? Quando disse que você sabia algo que eu não sei?

Ele revirou os olhos. Claramente ele não gostava muito do Joao Guilherme.

É cara, somos dois.

- Ele estava tentando entrar na sua cabeça, Manuela. Te desestabilizar, falar palavras sem sentido. Só isso.

- Você tem certeza que ele não estava se referindo a outra coisa? Algo que eu realmente deveria saber?

Ele continuou distraído com o vento uivando la fora, bebendo sua segunda dose de whisky. Ele propositalmente levou alguns segundos antes de responder.

- Sim, eu tenho certeza.

Eu poderia dizer com clareza que algo não estava sendo dito ali. Havia uma tensão suave no ambiente, como a eletricidade que fica no ar no começo de uma tempestade violenta.

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