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Any Gabrielly

A cirurgia foi um sucesso, as seis horas e meia em pé na sala de operação valeram a pena, o paciente está ótimo, salvei mais uma vida hoje. Tudo que eu mais queria era ir direto para o conforto da minha cama em casa, mas lembrei que aquele moço ainda está em meu escritório.

— Vai pra casa Any? – Sav pergunta assim que saímos do quarto do paciente

— Bem que eu queria – suspiro cansada

— Tem um cara que me esperando no escritório desde a hora do almoço

— Caramba, então deve ser importante né

— É o que eu espero

Pego meu carro e em poucos minutos chego em meu escritório.

Chego em meu andar, entro na minha sala e noto o homem capotado na cadeira.

Solto uma risada baixa com a cena.

Ele é bonito, a esposa deve ser uma mulher de sorte.

— Senhor Beauchamp – cutuco a bochecha dele tentando fazer com que ele desperte

— Mil perdoes, Doutora Soares... acabei dormindo aqui... estou exausto...

— Tudo bem, eu também estou... então direto ao ponto, por favor

— Então... Minha filha Aurora tem nove meses, é a luz da minha vida, tem um problemão no coração e acho que é a única médica que pode ajudá-la, já tentamos de tudo, como você pode ver aí na ficha dela...

Folheio os documentos e histórico médico e reconheço a rara condição detalhadamente explicada nos papéis, a Anomalia de Ebstein grave, que gradativamente afeta as capacidades cardíacas do paciente. Vai ser trabalhoso buscar uma solução, é praticamente impossível...

— Ela não pode morrer... uma parte minha iria com ela... eu amo a minha garotinha... A senhora pode ajudá-la, nasceu com um talento

— Olha só, isso iria te custar uma fortuna...

— Eu esperava que pudesse fazer pró bono... Meu plano de saúde não cobra tratamentos inovadores

— Você entende que é o meu trabalho né... Não posso fazer de graça... Você não é o primeira e nem a última pessoa que vem aqui me pedir algo do tipo e se eu fizer isso por você, outros milhares de pacientes virão

— Minha filha não pode morrer... ela é apenas um bebê, a coisa mais pura do mundo, não merece isso... vou tentar dar um jeito de te pagar... só não sei se dará tempo – passa as mãos preocupadamente nas têmporas

O celular dele toca e ele logo atende.

— Sina? – diz assim que encosta o telefone na orelha

— Tudo bem, estou indo...

— Pense com carinho, doutora – ele levanta e vejo uma lágrima riscando a sua bochecha

O loiro deixa o cômodo apressado e solto todo o ar que estava prendendo.

Odeio isso. Pessoas boas como ele, que sofrem com o sistema de saúde americano. Em que a vida fica totalmente dependente das condições financeiras. Morrer da doença ou morrer pagando pelo tratamento?

É tão injusto...

Saio dali e vou direto para o meu apartamento. Deito na minha espaçosa cama king size, mas não consigo dormir, apesar do cansaço.

Não consigo parar de pensar naquele moço e na filha dele.

Depois de um tempo, acabei pegando no sono e só acordei no dia seguinte. Levantei cedo, tomei banho, me arrumei e tomei um café no caminho que comprei no starbucks.

Cumprimento Hina ao chegar e ela me acompanha até a minha sala me informando das consultas e compromissos do dia.

— No mais é isso, chefe... – diz checando sua agenda em mãos

— Ah é... sua mãe ligou, ela quer falar com você e reclamou de você não ter atendido o celular de novo

— Tá bom... pode sair, Hina

Pego meu celular e disco o número de mamãe que atende no primeiro toque.

— Oi, mamãe...

— Any, seu pai está cansado... na idade dele não é saudável trabalhar tanto naquela empresa

— De novo isso... Por que não contratamos um administrador?

— E deixar a empresa da família nas mãos de um estranho?

— Filha, está na hora de arrumar alguém... os trinta anos já estão quase batendo na sua porta

— Mãe!

— Só estou dizendo que o tempo está correndo... você não vai me dar um neto nunca? Um herdeiro do nosso império e um marido para cuidar das nossas propriedades e empresas, tô pedindo demais?

— Pense bem, filha, não quero que acabe sozinha – bufo irritada e um pouco frustrada

— Não é porque a senhora não o conhece que significa que eu esteja sem ninguém – minto no impulso

— Como assim, Any?

— Tchau, mamãe, vou pensar se ele merece conhecer esse nosso meio tóxico

— Any Gab – desligo a ligação na cara dela

A pessoa que eu mais confiei não pensou duas vezes antes de me apunhalar pelas costas. Não posso. Não consigo amar de novo.

Mas preciso arranjar alguém logo.

[...]

A manhã foi cheia, atendi uns pacientes, li uns prontuários e na hora do almoço fui para um restaurante com Sav.

Desabafei sobre os meus problemas, contei a história do cara de ontem, sobre a ligação de hoje de manhã e ela me escutou em silêncio.

— Amiga, arruma um casamento de fachada

— Sabe que eu já pensei nisso...

— E sobre a garotinha, salve-a, eu me ofereço para trabalhar de graça nessa cirurgia

— Sav...

— Any, é um bebê... Se o pai não pode te pagar em dinheiro, alguma coisa ele pode te dar em troca, só não deixe uma menina inocente morrer no sistema

— Tá bom... vou pensar... juro

— Tenho que ir... nos vemos no hospital?

— Claro – respondo e dou um beijo nela

Passei a tarde no hospital e à noite saí com Sav e Sabi para uma balada, pois era uma sexta-feira e somos todas lindas mulheres solteiras. Bebi uns drinks, dancei e fui para casa.

Sabina é uma amiga do hospital, éramos da mesma turma de residência e viramos amigas. Ela seguiu o ramo da pediatria e eu o da cardiologia, mas vez ou outra operamos juntas.

No sábado acordei meio tarde e enfiei a cara nos livros, me deu uma vontade de estudar a situação de Aurora. Realmente o problema dela é sério. É uma cardiopatia grave da válvula tricúspide. Preciso vê-la, ouvir seu coração com os meus próprios ouvidos, pedir mais exames, talvez eu tenha ficado interessada nesse caso.

Talvez eu possa fazer algo por ela.

Observei o hospital da ficha dela, conheço alguns médicos de lá...

Mando mensagem para um deles que se especializou em cardiologia, assim como eu, e pergunto sobre a bebê.

De primeira ele menciona o sigilo médico-paciente, explico que a ficha foi concedida pela própria família e ele me diz que ela está lá em observação.

Quando me dei por mim, já estava indo até o hospital atrás dela.

[...] – Passagem de tempo

HOW TO SAVE A HEART | BEAUANY STORYOnde histórias criam vida. Descubra agora