Demorei alguns minutos apenas puxando o ar pra dentro dos pulmões enquanto minha visão ficava escura e voltava ao normal diversas vezes. Sentia como se fosse desmaiar a qualquer momento. Pensava o tempo todo "ok, eu ainda não morri.". Ergui a cabeça devagar. O corredor estava vazio. Eu usava a mesma roupa e dessa vez não flutuava. Parecia ser meu corpo mesmo.
Levantei e tentei entender em que parte do navio eu estava mas era muito difícil de saber só pelas paredes. Era um corredor longo que dobrava no final, as portas estavam todas fechadas e eu não ouvia absolutamente nada. As lâmpadas amareladas deixavam o ambiente bem iluminado com um toque vintage que não me atrai muito. Andei devagar tentando ver se alguma porta era diferente, alguma coisa que me indicasse para entrar. Quase ao fim do corredor ouvi vozes, vindo de uma porta. Sussurros quase imperceptíveis.
Parei em frente. Era a única porta com uma plaquinha na maçaneta de não perturbe. Cheguei mais perto e as vozes continuavam, fortes e irritadas. Uma atacava mais que a outra. Enlouquecida, eu diria. Abri a porta muito devagar, o máximo que conseguia, na esperança que não pudessem me ver. Vi primeiro a menina morena. Ela estava sentava abraçada com as pernas, em posição fetal. Ao redor do seu corpo um cobertor grande e velho pairava. Seu cabelo estava sem vida, triste e opaco. No seu rosto eu via marcas de arranhões e lagrimas mas ela não parecia preocupada em me olhar mesmo que estivesse de frente pra mim. Seu semblante era de derrota. Uma casca vazia e sem vontade viver, era o que parecia para mim.
No outro canto do quarto, Nivea andava de um lado para o outro. Seus punhos estavam cerrados. Ela olhava furiosamente para a menina. Gritava palavras desconexas. Eu demorei até começar a entender algo.
-Eu vou fazer alguma coisa! Não posso deixar assim! - ela parou de frente para a garota e abriu os braços tentando faze-la enxergar as coisas do mesmo jeito.
-Eu... não quero. - ela falou baixo que quase não ouvi. Ainda não tinha se mexido nem olhado para mais nada além do ponto fixo no chão. Aos poucos as mechas do seu cabelo iam caindo pra frente do rosto e ela não parecia se importar com isso. Nem com nada. Nivea pareceu ainda mais irritada. - Se a gente falar algo, vão castigar a gente de novo. E pode ser ainda pior. - ela concluiu depois.
-Não importa. - Nivea se virou com raiva. - Eles vão continuar agredindo todos que forem minimamente diferentes se não aprenderem uma lição.
- Nivea... por favor. Pare. - ela pediu, dessa vez olhando pro rosto tomado de ódio de Nivea. Mas ela não ouvia. Não queria saber de desculpas. Ela queria vingança.
Nivea veio andando na direção da porta. Me desesperei, achei que ela tivesse me visto. Eu dei passos para trás e me esgueirei pela parede do corredor imaginado o que ela faria com a minha presença dessa vez. Pensei que podia disfarçar e fingir que estava passando por ali, mas olha para mim... minhas roupas não ajudam e eu não sei se ela lembra de ter me visto antes. Apenas recostei na parede, quando Nivea puxou toda a porta e saiu, mas ao invés de se atentar a mim, ela virou pro outro lado e caminhou em passos largos pra longe do quarto.
A porta começou a fechar. Eu segurei antes que batesse. Olhei mais uma vez para a garota destruída sentada na cadeira do canto a meia luz. Ela começou a chorar. Agora que Nivea saiu, acho que ela se sentiu melhor para deixar as lágrimas caírem. Imagino o quanto foi ruim segurar; o quanto era ridículo não poder se abrir e pedir abrigo a pessoa que ama por medo do que ela faria depois. Mas aparentemente, ela esconder o fundo do poço não funcionou o suficiente pra evitar de Nivea fazer algo sem volta.
Eu pensei em entrar. Me deu mais vontade de conforta-la da forma que ninguém fez, do que tentar ir atrás de Nivea. Mas eu precisava das respostas. Eu precisava saber o que ia acontecer. Considerei que isso tudo que estou vendo aconteceu a muito tempo. Que de toda forma, não importava o que eu fizesse; tudo chegaria ao mesmo fim. Pedi perdão em silêncio por não estender a mão aquela garota e segui os passos de Nivea antes que sumisse da minha vista.
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Prisioneira Marítima
Mystery / Thriller"Se eu teria feito alguma coisa diferente? Quase tudo. Eu teria encarado as coisas de uma forma mais aberta, sabendo lidar com cada erro em cada detalhe. Teria embarcado nessa viagem para me divertir não pra trabalhar. Teria dito ao Alan tudo o que...