Prisioneira Marítima

11

Sabe aquela sensação estranha que você tem quando alguma coisa está errada, mas você não sabe o que? Foi exatamente isso que me manteve acordada na última noite.
Não consegui parar de pensar naquele espelho estranho, com uma imensidão azul atrás dele. Uma imensidão azul similar ao mar e ao céu juntos, mas ao mesmo tempo completamente diferente.

Levantei cedo o suficiente pra chegar antes de Alan ao grupo com os outros. Não falei nada com Melanie desde ontem, e na verdade nem tenho vontade. Eu teria que explicar tudo o que aconteceu e correr o risco de mais alguém me olhar como Alan me olhou ontem -aquele olhar duvidoso de descrença-. Mesmo assim, não achei que seria bom ficar afastada das atividades em grupo.

Will me encontrou. Está ficando tão estranho que tenho achado que ele tem me seguido de propósito. Ele não trabalha? Não teria que estar ocupado com seja lá o que deve fazer agora?

-Está melhor? - ele me perguntou piscando repetidas vezes seus olhos verdes. - Conseguiu dormir?

-Sim. Dormir é a melhor coisa pra isso tudo. - menti sobre ter conseguido dormir bem.

-Eu tava pensando... - eu realmente espero que ele não esteja pensando em me fazer um convite...- você ia iria gostar de comer alguma coisa mais tarde? Só a gente. - tarde demais.

Eu olhei pra ele sem graça e não consegui disfarçar meu olhar de estranheza nem por trás dos óculos escuros e eu sei que ele percebeu pelo semblante de "sem graça". Mas não teria mal, teria? Ele é um carinha legal que está sendo simpático comigo, e até pode ser assim que acontecem alguns estupros mas não sei porque isso me veio a cabeça agora. Não consegui dizer não, e apenas assenti, só que ele ficou me encarando, esperando por uma confirmação mais concreta.

-Ah, por mim tudo bem. - soltei com a garganta seca. - Mas você sabe que eu e o Alan estamos.. enrolados, eu diria. Então a gente não deve..

-Tudo bem, eu sei. - Ele sorriu pouco confiante. - Mas isso é só porque é difícil eu me dar bem com alguém, então seria legal sair pra conversar um pouco melhor.

Faz sentido tudo isso, considerando que no outro dia nos divertimos, mas de ontem pra hoje tudo foi sobre a menina desaparecida. E falando nisso, me lembrei de perguntar sobre.

-Acharam a garota ontem? Eu não ouvi notícias.

-Encontraram sim. Mas na verdade ela apareceu do nada e disse que estava por aí. Essa garota deve usar drogas ou algo parecido, porque levaram ela pra um interrogatório e ela diz nem saber que o navio ficou sem luz ontem.

-Muito estranho. Mas ela tá bem agora?

-Está... mas provavelmente vai sumir de novo quando ninguém estiver prestando atenção. O ruim é que não podemos deixar de lado porque é o nome do cruzeiro em jogo se acontecer agora de ruim com ela aqui dentro.

-Faz sentido. - não sabia como continuar essa conversa e ele também não. Isso me leva a imaginar o quanto vai ser constrangedor ficar mais do que cinco minutos de frente para ele quando nos encontrarmos depois. - Enfim, eu vou procurar a Melanie. Mais tarde eu te mando uma mensagem pra marcar alguma coisa.

Me virei dando um tchauzinho e um sorrisinho sem graça e só ouvi um "tchau" atras de mim. De fato eu deveria procurar Melanie é pedir conselhos, mas na real fui direito a Alan. Ele não estava muito longe de mim, sentado no andar de cima na area externa, e eu andei em sua direção ensaiando o que diria, falando sozinha como uma louca. Tinha muita gente, então ele não me notou ate chegar perto o suficiente pra ele também ouvir meu espanto quando ele se virou para mim.

-O que aconteceu? - perguntei analisando seu queixo quadrado e liso como uma pele de bebê.

-Bem... resolvi fazer a barba. - ele respondeu em um tom sarcástico abrindo um sorriso branquinho que agora é muita mais visível.

-Eu to vendo, mas porque? Cansou do estilo lenhador? - não contive o riso.

-Ah, eu não sei. Quis começar do zero, eu acho. Mas Serena. - ele voltou a ficar serio com as sobrancelhas curvadas, e me encarava com um pouco de pesar. - O que aconteceu com você ontem?

Começamos a caminhar lado a lado automaticamente. Acho que assim, não precisaria olhar pra ele o tempo todo enquanto falava e talvez ficasse mais fácil de explicar. Mas não ficou.

-Eu não sei... Eu estava tão nervosa por estar sem luz aqui. E pensar que alguém estava perdido por ai...

-Quanta compaixão. - sua voz soou rude- E isso é motivo de enlouquecer comigo?

-Alan? Serio? Estou tentando entender o que aconteceu tanto quanto você. - disse com bastante raiva dele. - Se quer saber, na verdade eu não lhe devo as minimas satisfações, mas ainda assim estou bem aqui. -gesticulei o tempo todo enquanto falava, porque quase não conseguia conter minha vontade bater nele.

-Ta, mas me explica o que foi que você viu la embaixo.

Sentamos, e resumidamente eu expliquei tudo o que vi. Narrei cada sensação e cada sentimento que me veio quando vi aquela imensidão azul. Estremeci varis vezes cada vez que falava mas não olhei para Alan hora nenhuma, então não sabia que ele estava acreditando em mim. A propósitos, somos estudantes. E ele estuda exatas. Pela ordem natural das coisa ele não acreditaria em coisas sobrenaturais ou em espiritismo -não que tenha a ver- e eu mesma não acreditava ate ontem.

Quando terminei, ele parecia confuso mas um pouco convencido que não era loucura minha. Ele analisou em silencio e continuou em silencio por mais um temo ate abrir a boca para começar a falar lentamente.

-Acha que consegue encontrar essa coisa de novo?

-Talvez. Mas porque eu iria querer fazer isso? - olhei em seus olhos tão azuis quanto o mar.

-Não quer saber o que é? Admito que fiquei curioso. - ele sorriu.

-Sim...- eu pensei um instante e percebi que não me aconteceu nada de ruim até o momento, então eu podia tentar. Com Alan ao meu lado, os riscos diminuiriam. - Quando vamos fazer isso?

-Eu não posso ir junto. - abri a boca para contestar mas ele me interrompeu- eu tentei ir com você ontem, e não conseguimos achar nada. Talvez você só encontre sozinha. Ou talvez eu não consiga. Pode tentar levar outra pessoa.

Eu suspirei mas no fim assenti. Pelo jeito ele poderia ate acreditar em mim, mas não estava nem disposto a tentar me ajudar. Ele sorriu levemente e me deu um beijo na testa.

-Serena, nos devíamos aproveitar a parte boa desse lugar. Em pouco tempo não estaremos mas aqui, e pra falar a verdade eu não sei quando vou poder entrar em outro desses.

-O que você quer dizer com parte boa?