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Continuava tudo a mesma coisa, mas estava bem mais vazio. Deu um puta trabalho pra entrar de volta no Cruzeiro, já que todo mundo já desembarcou, e na verdade eu provavelmente só consegui isso graças a Will. Eu nem teria como vir sem ele. Andamos pelos corredores vazios, que não estavam tão iluminados; de braços dados.

Quando estávamos passando pelo corredor onde tive a visão de Nivea em um corredor antigo, eu parei. Eu nunca tinha me tocado nisso, mas ela não falou nada sobre coisas paranormais fora da área do portal. E eu não tinha perguntado nada sobre isso. Will me olhava meio tenso.

-O que foi?

-Eu tive uma visão nesse corredor uma vez. Lembra a um tempo, quando me perdi de você? - ele assentiu- eu tinha ido parar no mesmo corredor, mas era o original.

-Tipo antes da reforma?

-Não, tipo antigamente mesmo. Quando esse navio tinha sido construído e fazia viagens de luxo. A gente leu sobre isso.

-Eu lembro...

-Mas; - eu me interrompi cogitando se devia falar sobre isso com Will agora. Tanta coisa passou pela minha cabeça. Se Nivea estiver me olhando agora? Se ela estava aqui na primeira viagem desse navio, ela está presa a quantos anos? Quase 100. E se ela sabe de alguma coisa que eu não sei? Eu segurei os dois braços de Will, pensando que não poderia contar a ele, nada, nem quando estivéssemos na terra, porque com o navio ainda atracado, Nivea consegue nos achar. Eu ainda não sei a causa de tudo isso. Talvez a culpa seja dela. Talvez ela esteja apenas me atraindo de volta pra lá. E se eu não conseguir sair? Eu estou quase explodindo, mas não posso fazer nenhuma dessas perguntas a Will, que além de não saber me responder, posso estar colocando ele em risco também. Ainda não sei mais do que Nivea é capaz. Mesmo assim, Micaelly pode mesmo estar ficando presa lá. Eu preciso ajudá-la. Pelo menos tentar. Não me perdoaria se não tentasse.

-Serena? - ele segurou meu rosto entre as mãos e se aproximou me dando um beijo rápido e gostoso. - me fala, o que tá passando na sua cabeça? Eu quero te ajudar.

-Não Will. Não é nada. - Mas ele sabia que era alguma coisa. Talvez o raciocínio dele tenha sido rápido o suficiente pra que ele entendesse o porque eu não queria falar. Mesmo assim insistiu em me acompanhar até a escada. Peguei a porta que ficava um andar antes. Will entrou junto comigo e segurou a lanterna do celular dele acesso. Mas eu não podia descer com ele junto.

-Espera aqui. -eu disse posicionando ele na reta da porta que deixei entre aberta, com uma fresta de luz um tanto reconfortante.

-Claro que não, eu vou...

-Não sei se elas vão aparecer se você descer junto.

-Mas então...- ele parou olhando pra o celular na mão um tempo. Pegou o meu celular que estava no próprio bolso e fez uma ligação pra ele mesmo, atendeu e colocou o meu celular no meio dos meus peitos, escondido na minha blusa.- eu vou ouvir tudo. Assim posso saber que você tá bem.

-Tudo bem. - eu achei uma boa ideia, assim me sentia melhor sabendo que ele poderia ouvir tudo e teria a prova também. Ele posicionou o celular no rosto e assentiu para que eu pudesse descer. Fiz isso calmamente, andando devagar, mas a minha bota batendo nos degraus, faziam um barulho assustadoramente alto. Virei e lá estava a imensidão azul como sempre reluzente. Eu demorei um pouco pra identificar Micaelly parada ao lado esquerdo dele, procurei por Nivea, mas acho que como sempre ela ainda iria aparecer pra mim.

Micaelly me olhou de relance, e não parecia surpresa comigo ali. Eu parei ao seu lado e tentei ver o que ela tanto observava, mas como eu desconfiava, não posso espiar a "espiã". Afinal ela devia passar tanto tempo aqui vendo algo bem interessante. Eu não sei como funciona isso, mas não tenho vontade de descobrir.

-O que está vendo? - perguntei pondo a mão no ombro dela.

-Eu não sei ao certo. Eu observo a vida das pessoas que não conheço. Passeio pela rua e escolho alguém pra seguir por algumas horas. Às vezes umas são bem interessantes, mas a maioria das pessoas tem a vida bem monótona.

-Você precisa sair daqui. Você mesma disse que essa viagem seria sua tentativa de fuga.

-Eu sei. - ela suspirou. - Mas e aí? O que eu faço depois daquela porta? Não tenho uma vida pra seguir, Serena. Você não sabe como é isso.

-Claro que sei. Já passei por fases que nada faz sentido.

-É mesmo? E o que você vê ali? - ela me indicou o azul.

-Não entendi. Eu não vejo nada. Não posso ver as coisas como você faz.

-Observa melhor. Alguma coisa vai aparecer. - eu fiz o que ela disse. Apenas me posicionei de frente e deixei minha mente ir na primeira coisa que me preocupa. Por um momento percebi que o azul já não era só azul. Tinham outras cores e uns formatos vindo e indo. E de alguma forma um barulho de algo bem ao longe.

Will. No corredor lá em cima. Parado com o celular na mão e tentando me ouvir. Eu podia vê-lo. Podia mesmo. Aquilo estava me mostrando Will nesse exato momento. Eu podia ouvir sua respiração e sentia seu coração batendo rápido. Ele estava tenso e eu sentia junto com ele. Era uma sensação totalmente nova. Como se eu compartilhasse o corpo com ele, mas eu via tudo e um ângulo mais dinâmico e ele não tinha ideia de que eu estava ali.

-Agora me entende? Por aqui, vivemos a vida de outras pessoas. Não sei como sair disso.

-Mas você não faz suas próprias escolhas. Por mais que, tenho que admitir, isso é interessante... mas você não tem sua autonomia aqui.

-Mas é bem simples, quando eu quero uma vida de tal jeito, e só eu pensar e Ela me leva até o que eu quero ver. Alguém que tenha a vida que eu desejo.

-Ela? - eu perguntei querendo descobrir se Micaelly se referia a Nivea ou ao portal.

-Ela. - Nivea apareceu atrás de mim me matando do coração, mas eu não me movi e tentei não parecer nervosa com a repentina presença dela. - o portal é Ela. Uma mulher como nós. - eu a encarei tentando entender como ela pode saber disso. - eu apenas sei. - Nivea deu de ombros meio que adivinhando meus pensamentos. - ela leva você até onde você deseja estar. Isso por ser bem perto ou muito longe. Mas quanto mais você deseja estar em outro lugar, mais presa você fica.

-E é exatamente por isso que eu vim tirar você daqui. - eu me virei de volta pra Micaelly e dessa vez ela parecia mais convencida. - o mundo todo pode estar contra você agora, mas se você não estiver com pingo de fé, nada vai melhorar. Mesmo que seja difícil, mesmo que pareça impossível. Tenta. Mais uma vez. Eu não sei o que se passa na sua vida, mas nada pode ser pior que ter a vida roubada. - eu parei pra respirar. Eu estava abalada e queria chorar mas permaneci forte. Apesar de que sei que elas conseguem sentir a emoção na minha voz embargada. - eu não te conheço, mas não quero te perder. - soltei engolindo saliva por último. Não sabia o que mais poderia dizer. O que mais não seria exagerado ou desnecessário. Se todo meu apelo sentimental não funcionasse nada funcionária. Nivea veio pra perto de mim e assentiu, confirmando pra mim que isso seria o suficiente, mas eu não tinha tanta certeza.

-E só você ir lá e encarar tudo isso. Faça o que eu não fiz. - Nivea disse uma última vez. Eu já estava me sentindo mal pensando em Will sozinho lá em cima. Ainda tinha tanta coisa pra resolver na minha cabeça que estava perdendo tempo com uma pessoa que quer estar aqui. Eu olhei do volta pro portal, mas as imagens já tinham se desfeito.

Me virei em direção a escada e dei uma última olhada pra Micaelly que permanecia me olhando. Eu então subi e só quando cheguei a ver Will novamente meu coração voltou a bater normalmente. Eu já não podia fazer mais nada por Micaelly se não oferecer apoio, mas se ela recusar, não tem mais jeito.

Will tirou o celular da orelha bem devagar enquanto engolia a seco pensando no que ele deve ter ouvido. Me puxou pra perto e me abraçou.

-Eu não conseguiria fazer isso como você fez. - ele respirou mais umas duas vezes antes de voltar a me encarar. Ele juntou os lábios nos meus e eu deixei minha respiração se fundir a dele.

-Nem eu teria feito melhor. - Micaelly disse bem baixo. - Obrigada. - ela estava atrás de nós e se aproximou sem fazer barulho. Foi até a porta ao lado de Will e abriu, deixando a luz finalmente entrar naquele ambiente monstruoso. Hoje eu sai vitoriosa contra o buraco de minhoca.

Prisioneira MarítimaOnde histórias criam vida. Descubra agora