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Eu acordei muitas -não sei quantas- horas depois, com aquele doce na boca e uma distância das memórias, como se tudo tivesse sido um sonho. Sumindo aos poucos de mim. Levantei a cabeça devagar e meus olhos ainda estavam embaçados. Com certeza eu não tirei a maquiagem antes de deitar. O quarto estava escuro a não ser por uma fresta que entrava da cortina da varanda, a minha esquerda. À direita eu conseguir ver a cama ao lado preenchida sem nenhum movimento. Peguei o celular que -engraçado- deixei carregando. 12:16.

-Aí meu Deus... - eu simplesmente perdi todos os eventos da manhã. Faltei a oportunidade do dia de ver Alan. - Melaniiiie! - minha voz estava estranha; talvez mais grave do que o normal.

-Hummm! - ela nem se mexeu.

-Nós perdemos a manhã.

-Legaal...

Eu levantei e percebi que o café da manhã estava em uma bandeja sobre a mesa. Pelo menos não morreria de fome. Estranho pensar que alguém entrou aqui enquanto dormíamos. Nunca vou me acostumar. Assim que acabei de comer, Melanie levantou e eu tive certeza que ela não se lembra de nada que rolou, porque ela olhou nos meus olhos e perguntou:

-Eu beijei alguém ontem? - eu só ri. Mas aquela risada escandalosa. Ela nem perguntou mais nada. Então ela não lembrava do que tinha dito. Agora eu me sinto menos mal pelo passado. Mas lindamente nem tenho como provar que ela disse algo.

Peguei o telefone me lembrando que ainda não tenho o número de Alan, apenas o do quarto. Liguei com o coração na boca, tentando pensar em algo pra dizer. Mas ele não atendeu. Devia estar pelo Cruzeiro. Isso fez meu corpo esquentar; imaginar que ele pode estar por ai com outras pessoas enquanto eu estou aqui morrendo de dor de cabeça por mal ter bebido. Pior é pensar que ele pode levar em consideração que eu na verdade não fui as atividades da manhã pra evitá-lo. Não que eu esteja psicologicamente preparada pra olhar nos olhos dele de novo, muito menos continuar nesse romance que ninguém me perguntou se eu queria. Mas ele não tinha que saber disso. Muito menos saber que a minha pessoa ficou tão mal quanto Melanie, só que não bebi quase nada. Não sei o que seria pior de dizer. No fim, quando estava chegando perto de 15h, nós duas estávamos alimentadas, mas resolvemos almoçar de qualquer jeito. Mesmo aquela hora.

Procurei Alan, ou até mesmo Gusta, o tempo todo, mas nem sinal. Nem deles, nem do meu grupo. A essa altura eu não sabia onde eles estavam, e me deu uma crise de ansiedade quando pensei que Alan poderia participar de algo em grupo com outras pessoas e Melanie só sabia revirar os olhos pra mim.

-Não sei porque está tão apaixonada. Ele é só uma cara.

-Um cara muito bonito.

-Sim; um cara muito bonito, gato, gostoso, tesudo; chame do que quiser! Mas continua sendo só um cara. - e nisso enfiou uma grande colherada de musse na boca.

-Melanie... - eu semicerrei os olhos. - você se lembra sim.

-O que?

-Você tinha beijado o Gusta antes de ficar bebaça. Nos ainda estávamos no saguão quand...

-Shiu! Ninguém precisa ouvir isso! - ela tapou minha boca com o dedo longo e magro. - tá! Eu lembro. Da maior parte pelo menos. Eu tenho quase certeza que devo ter falado muita besteira, mas não lembro o que. E eu sei que fiquei com o Gusta. Mas estou torcendo pra ele ter esquecido e por isso, vou fingir que não sei de nada.

-Não entendo essas suas táticas. Você ficou com ele sóbria, e agora quer esquecer? Então porque ficou? Gente...

-Carência? - ela fechou os olhos e abriu um sorriso com vontade. - sei lá, às vezes a gente faz umas doideiras mesmo.

-Ainda não entendi porque você não gosta dele. Ele parece ser um cara divertido.

-Se fosse, você teria percebido ontem, e não falaria "parece". - ela fez aspas com só dedos e afinou a voz pra me imitar.

-Ham.. Justo.

-E não é que ele não seja divertido. É só que ele ri demais das coisas. Tipo... Eu posso falar que meu cachorro morreu que ele vai rir. Não leva absolutamente nada a sério.

-Mas porque? - ela levantou os ombros. - Mas você não acha que está sendo precipitada? Não passou tempo o suficiente com ele pra dizer que nunca vai ter um papo sério.

-Acredite, eu sei do que to falando. - ela fez um "pare" com a mão. - Mas sério, chega de falar de mim. Me conta como é o Alan por dentro.

-Falando assim parece que foi outra coisa. - ela riu. - É muito diferente de tudo que já provei. - ela fez um longo "huuuumm". - não sério... Ele é muito bonito, mas também tem um certo charme que eu nunca vi em uma cara bonito. Quer dizer... Os bonitos não são geralmente os burros?

-São. - ela riu. - Não que ele sejam sempre burros, mas não são interessados em determinados assuntos.

-Exatamente. Daí o Alan faz faculdade de Biologia. Superinteressado em mim. O que é o mais estranho.

-Aí que tá... Você tem certeza disso?

Eu não respondi. Não precisa, porque Melanie sabe toda a insegurança que tenho com essa história de "cara bonito e inteligente". Ainda mais um "cara bonito, inteligente e que gosta de mim." Considerando meu histórico desagradável de companhias dos últimos anos, é algo tão improvável quanto eu desistir da faculdade e virar modelo.

No fim de duas longas horas, fomos ao salão de jogos -que pode ser considerado um cassino- e passamos o resto do dia com pessoas diferentes, jogando coisas que eu nunca achei que jogaria. Sem apostas, claro. Mesmo assim foi um dia bem divertido. Considerando que quando deitei de volta, mal esperava pelo despertador tocar pra eu ver Alan de novo. Principalmente porque saberia o que ele fez o dia todo sem mim.

Prisioneira MarítimaOnde histórias criam vida. Descubra agora