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Depois de horas seguindo Will pelos corredores, ele entrou no próprio quarto e Mickelly finalmente me convenceu a desgrudar dele e procurar por mais respostas em outras pessoas. Me doía muito, porque mesmo que ele não me visse, eu me sentia minimamente melhor em ver que ele estava vivo. O que já era muito, comparado a situação que eu me encontrava. Sem muita certeza do que eu era, ou porque estava ali. Mas afinal, eu sabia onde encontra-lo caso precisasse de um reconforto e um rosto familiar. 

Já estava anoitecendo enquanto seguíamos pelo cruzeiro, entrando em cada restaurante, nos bares, nas áreas de atividade e nada de interessante estava acontecendo. Apesar da palestra que dizia ser um cruzeiro sobre o desaparecimentos das jovens, não houve mais nada sobre isso. As pessoas estavam apenas seguindo viagem como sempre, e esse deve ser mesmo o intuito. Eles aproveitarem o pacote que compraram afim de gastar bastante dinheiro e alimentar esse tal fundo. Eu só me perguntei algumas vezes de quem tinha sido essa ideia. 

Micka não viu nada de interessante, e a princípio não encontrei ninguém que pudesse me ajudar  a entender o que estava acontecendo. Seguimos até o antigo café, onde passei várias noites com Pedro me servindo xícaras quentes, mas claro que ele não estava lá, e foi muito estranho ver o mesmo ambiente e as mesmas ferramentas sendo utilizados por um outro barista. Queria pode pedir um café, e ficar alguns minutos sentindo o aroma e a quentura nas minhas mãos. Mas isso só nos meus melhores sonhos. Eu e Micka sentamos em algumas cadeiras vazias no canto, onde ninguém ia, apesar de podermos ficar em qualquer lugar, mas dividir o espaço com outro corpo não parecia natural, mesmo que não sentíssemos nada fazendo isso. 

Por breves segundo, fiquei com medo de atravessar a cadeira e cair, mas assim como não despencamos pelo chão, ficamos sentadas como se a cadeira realmente estivesse sustentando nosso pesos de fantasma. Eu simplesmente não posso explicar as regras que regem o mundo desse lado. E por pensar em lado, já me sinto um fantasma de verdade depois de passar um dia inteiro sendo ignorada pelas pessoas. Não posso imaginar por quanto tempo alguém pode transitar por aqui, vendo as pessoas que amam padecer mas sem poder mover nada pelo mundo. Quanto tempo demoraria até meu cérebro virar borracha, ou melhor, minha alma eclodir? 

Observei Mickelly praticamente deitar nas poltronas sem emitir muitas palavras para mim. Ela fechou os olhos e eu olhava distraidamente para o nada, apenas ouvindo os burburinhos das mesas movimentadas a meia luz do café. O ambiente escuro, com luzes amarelas e as toalhas me mesas vermelhas, me lembram muito as coisas antigas que vi quando Nivea ainda era uma pessoa de verdade que viajava por aqui. Mas a essência de tudo com certeza era diferente. Várias pessoas nem falavam entre si, apenas mexendo em seus celulares inertes em atividades online. Enquanto outras meses emitiam chiados de risadas e conversas modernas sobre política, dinheiro e tecnologia. Nada que realmente chamasse minha atenção naquele momento.

Resolvi fechar os olhos e quem sabe, eu não dormiria. Ou pelo menos sentiria o tempo passar mais rápido como quando estávamos presas, porque hoje, eu senti cada minuto passar, cada segundo se esvair enquanto Will se despedaçava mais e mais por minha causa. Lembrei de novo do rosto sofrido dele, do silêncio que ele teve que se manter para que não o taxassem de louco. Me concentrei na falta de familiaridade dos ruídos as redor, esperando que isso tirasse meu foco das lembranças.

Mas muito pelo contrário, algo me puxou com toda a força. Um som que eu não ouvi tantas vezes, mas ainda podia reconhecer com exatidão. Abri os olhos e mirei em uma mesa um pouco distante, cheia de pessoas sorridentes, como se a própria existência deles ali fosse uma piada. Várias pessoas gargalhavam, mas eu não estava perto o bastante para ouvir o que falavam. Levantei devagar e caminhei pelas sombras, mesmo que ninguém me visse, dessa forma me sentia mais confortável em espionar uma conversa intima. Cerca de 6 ou 7 pessoas sentadas numa mesa, falavam sobre um deles, um jovem. Um rapaz alto, com cabelos e olhos muito escuros, mas com uma aparência delicada. Ele não devia ser mais velho que eu, mas considerando que ele nasceu bem depois de mim, eu nem sei como deveria me sentir em relação a isso. Ele parecia ligeiramente constrangido, mas manteve um sorriso perfeito aberto no rosto. Do seu lado esquerdo uma mulher estranhamente familiar também ria. Observei seu cabelo castanho claro, suas pernas esbeltas que se estendiam para fora da mesa, já que ela sentava de lado. As suas joias me chamaram atenção. Mas antes de eu conseguir entender o que realmente estava acontecendo, ouvi a risada novamente.

Prisioneira MarítimaOnde histórias criam vida. Descubra agora