Não sei quanto tempo mais deve ter passado depois de que desisti por mais um tempo. A sensação era que ficaríamos presas para sempre, então qual era o problema de descansar por algumas horas? Ou eram dias? Nunca saberei dizer.
Eu segurava a ponta da casaco de Mickaelly que estava perto de mim, para ter certeza que ela não sumiria enquanto eu fechava os olhos. Meu corpo ainda estava num estado estranho, que parecia uma quase morte, muito cansado, mas ainda com energia para me fazer continuar respirando.
Depois de termos visitado aquela cidade com um meteoro de água viva, não consegui me concentrar o suficiente para ver mais nada. Eu não sabia exatamente o que estava procurando e aquelas imagens e a sensação de arrepio sobre a pele voltavam numa constância cada vez maior. Eu sentia que estava esquecendo aos poucos da minha vida e só conseguia me concentrar nas lembranças sobre o que o portal tinha me mostrado. Desde as visões que tive de Nivea no cruzeiro, até os vultos cor de rosa que o meteoro deixava quando rasgava o céu escuro. Eu não tinha ideia do que era aquilo e tinha medo de encontrar algo ainda mais assustador se tentasse passar pelo portal.
Mickaelly parecia ainda menos interessada do que eu em tentar sair dali. Quando falávamos, eu perguntava se ela queria se levantar e me ajudar a entrar no portal, mas na sua voz, vinha um não com desdém, como quem tinha deixado de acreditar que era possível sair. Eu tentei ainda perguntar algumas vezes sobre a vida dela lá fora, coisas das quais eu percebi que não sabia, mas ela sempre respondia com um discurso de como falar sobre a vida dela para mim, que estava tão condenada quanto ela, não a ajudaria a ser lembrada. E esse deveria ser seu maior medo, ser esquecida. Mas agora já não sei se isso pode ser uma preocupação pra mim.
Quando penso no esquecimento, eu torço para que Will tenha esquecido. Penso que a vida dele não poderia ter sido boa se ele tiver ficado preso a imagem de mim pulando no meio do oceano em uma balsa na Europa, tão pouco porque ele sabe dos mistérios que o portal trás, e rezei hora após hora desde que cheguei, para que ele não tivesse voltado para o navio sozinho. Melhor ainda se ele nunca tiver voltado.
Não sei se foi minha linha de pensamento, ou se algum fator externo influenciou, mas quando abri os olhos e soltei o ar dos meus pulmões, achei que o azul refletido no teto estava mais forte. Pisquei algumas vezes tentando clarear minha visão, mas depois de tanto tempo inerte sob a influencias de uma luz azul que nos tornava tristes, eu já duvidada da minha própria capacidade de discernimento. Mesmo assim ergui a cabeça e senti meu pescoço latejar diante do movimento.
Eu cutuquei Mickelly com força sem falar nenhuma palavra e foi o suficiente para que ela seguisse com os olhos para o portal. Eu me pus de pé devagar, sentindo meus músculos despertarem dolorosamente, e meus ossos voltavam a se movimentar em estalos altos, como se eu estivesse mumificada, enquanto via o portal vibrar como batidas de um coração.
-Espera ai. - Miackelly disse entre suspiros enquanto tentava se levantar. - Você vai tentar entrar de novo? - eu abaixei a mão que usava para tentar tocar no portal com cautela.
-Não posso ficar aqui pra sempre.
-Não vamos, porque uma hora Nivea vai voltar pra nos dar de comida pro portal. - ela disse como se fosse um bom argumento para me fazer desistir.
-E você quer mesmo esperar por isso? - ela deu de ombros, mas eu a puxei pelo pulso para que entrasse comigo no portal, e dessa vez ela não resistiu.
Tentei manter os olhos bem abertos enquanto entrava ao mesmo tempo com a perna e a cabeça no portal. Algo me dizia que não iria me machucar, que eu precisava fazer isso. Primeiro minha visão se iluminou com uma luz branca com partículas flutuantes, como uma poeira. Eu senti apenas por milésimos a sensação gelatinosa do portal e depois passou, enquanto eu segurava com toda a força o braço de Mickaelly atrás do meu corpo.
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Prisioneira Marítima
Mistero / Thriller"Se eu teria feito alguma coisa diferente? Quase tudo. Eu teria encarado as coisas de uma forma mais aberta, sabendo lidar com cada erro em cada detalhe. Teria embarcado nessa viagem para me divertir não pra trabalhar. Teria dito ao Alan tudo o que...