A claridade do sol invade pela janela e tremeluz próxima à fornalha. As brasas estalam no ambiente abafado, e as gotículas de suor estão escorrendo por minha testa de forma incessante. Quando enfio o metal de volta ao calor, sinto as minhas roupas pinicarem. Não importa o tempo que as use, a roupagem escura e desgastada jamais me servirá ou trará algum conforto.
Conforto. Palavra estranha.
Não tardo a retornar à rotina, sem buscar um momento para respirar. Minha janela está logo à minha frente e não posso me dar ao luxo de inclinar a cabeça para inspirar o ar da cidade. Tudo o que recebo lá de fora é o calor do sol matinal.
Retiro o material ardente da forja com um alicate e o repouso sobre a bigorna. Ali, volto a martelar o objeto. São golpeadas calculadas para afunilar, nenhuma forte demais para não entortar além do necessário.
Ouço um grito rouco. Estou tão concentrada e mal dormida que minha mão segurando o martelo perde as forças e deixo cair enquanto pulo de susto.
Meus olhos se fecham bruscamente, forte para não enxergar um resquício de luz. Minhas pálpebras doem e as pupilas ardem, culpa dos utensílios incandescentes que sou obrigada a trabalhar o dia inteiro, de domingo a domingo.
Da janela, procuro o dono do berro que quase me fez esmagar um dedo. Sei que estou perdendo tempo de trabalho com isso, porém, se for uma ameaça, tenho certeza de que preciso escapar viva para ter como ganhar uns trocados. A luz matinal é cegante como a minha fornalha. Em meio ao movimento urbano da minha rua, avisto Nolo graças ao seu vício em fumar, pois a fumaça é bem evidente, assim como a sua careca com pintinhas.
— Absurdo — troveja ele para o comerciante de flores. — Semana passada custavam menos da metade!
— Semana passada não estávamos há dois dias do Beltane, senhor — informa, mal humorado. Conan é seu nome. Rapaz da minha idade, delicado como uma flor cheia de cravos. Definitivamente não me meto com ele.
É fácil reconhecer as pessoas das redondezas. Sei dos seus nomes e um pouco de suas vidas, não porque vivemos em um canto pequeno ou algo assim, Wexford é grande para se perder de vista e apenas o nome carrega certa beleza. O condado é um polvilhado de pechinchadores. Os compradores pechincham os vendedores, e os chefes dos compradores pechincham para cortar metade do salário. Negociar preços soa como um crime hoje em dia. Até dar um desconto é perigoso, podem achar que o comerciante está de bem com a vida e invadem a sua residência.
Wexford é a terra dos preços cada vez mais absurdos.
— Por favor. — Outra palavra proibida de se dizer quando se pede uma redução de valor. O velho careca é insistente e tem uma voz apelativa. — É para minha filha. Ela precisa para o Beltane, não conseguiu preservar as tulipas.
É uma desgraça como o sorriso maldoso de Conan se curva nos seus lábios, e o desdém e a falta de vergonha florescem em cada canto de sua expressão. Se eu estivesse no lugar do velho Nolo, já teria o socado e roubado cada flor do seu estoque miserável.
— Querem impressionar os druidas tanto assim? — oferece Conan. — Peça para sua filha vir aqui, há outra forma de pagamento.
Mesmo com as dezenas de pessoas indo de lá para cá na rua, o cheiro pútrido de um condado abandonado e até pequenos furtos diante dos meus olhos, presto atenção na careca de Nolo ficando vermelha de raiva. O rosto bonitinho do Conan vai ficar sem uns dentes, cogito e espero por isso, mas nada acontece. Vejo a boca volumosa de Nolo se abrindo para balbuciar mil e um xingamentos enquanto ele se junta à multidão. Deve estar amaldiçoando o comerciante, com razão.
Todo ano é a mesma coisa. É o único momento em que os druidas nos dão a graça de sua presença cheia de tripúdio para assistir ao Beltane, ou como chamam, a Ascensão. O evento começa em primeiro de maio e reúne a nobreza nos cantos mais esquecidos do mundo. Wexford será palco desse espetáculo, assim como cada condado das castas menos favorecidas. E todos daqui deixarão suas casas maravilhosas e usarão os trajes mais elegantes. Se encherão de maquiagem também. Tudo para chamar a atenção dos druidas que virão nos assistir como se fôssemos cães desesperados atrás de carne.
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A Forjadora do Desastre
Fantasy✨Eleita uma das melhores histórias de 2021 pelos embaixadores do Wattpad e finalista no Wattys 2021!✨ Por amor, ela quebrará as regras. Aisling tinha apenas oito anos quando sua mãe foi peregrinar. Quinze quando seu pai entrou num perigoso jogo de t...