Capítulo 4 - A longa semana

4.8K 813 450
                                    

Dizem que druidas podem abençoar aqueles que passam a amar. Seja um amor carnal ou platônico. Eles podem indicar essa pessoa a receber a bênção sem que ela precise passar pelo Beltane. É por isso que os humanos de todos os condados pobres enfeitam suas casas, na chula esperança de serem notados, virou parte da cultura local, junto das portas coloridas. Muitos desistem de ganhar na loteria, mas ninguém desiste de chamar a atenção de um druida. Dinheiro acaba, não sabedoria, e druidas são sábios. Eu mesma estava planejando usar um vestido de minha mãe no Beltane, antes de ser convocada para trabalhar no evento.

Estava.

Agora não consigo nem segurar a xícara com chá, aguardando Leanan Sidhe colocar um pouco de leite no meu copo. Tremo demais e minha respiração mal desacelera. Me salva. Me ilumine. Me abençoe. Jamais esquecerei disso, especialmente quando sei que todos gritam a mesma coisa em suas cabeças sempre que veem um druida.

Leanan dá uma última averiguada na rua, fecha a sua cortina de trapos e repousa a espingarda atrás da porta cor amarela. Ainda há fumaça saindo do cano da arma, o que faz meu estômago revirar e um gosto de bile sobe pela minha garganta. Sinto um puxão de orelha inesperado.

— Não tem juízo de andar pela rua a essa hora? — Leanan me repreende. — Me fez matar uma pessoa por sua causa, menina burra.

— Desculpa... Eu... — Balanço a cabeça, perdendo o que ia dizer. Não digeri o ocorrido, não lembro nem o caminho de casa e qualquer barulho me assusta. — Trabalhei até tarde...

Nada realmente importa. Levanto-me meio desnorteada e indico que preciso ir. Meu pai e meu irmão devem estar preocupados com o meu atraso, principalmente se tiverem ido à oficina e visto que já está trancada.

— Durma aqui. — Isso não é uma sugestão. — As pessoas surtam no Beltane. Devem ter outros malucos na rua. Você deveria começar a esconder seus cabelos e olhos, assim vai confundir menos gente ignorante, albininha.

Não encontro forças para responder, assinto para cada uma de suas palavras e só concordo. Meus olhos estão pesados com o efeito do chá com leite. Estou acabada, para se dizer o mínimo.

Durmo no sofá desbotado e mole, cansada demais para sentir fome e acordo de supetão durante a madrugada. O som do disparo se repete em minha mente como um eco infinito e cada vez mais profundo, até parecer que penetra a minha alma.

 O som do disparo se repete em minha mente como um eco infinito e cada vez mais profundo, até parecer que penetra a minha alma

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Leanan Sidhe praticamente me expulsa de sua residência pela manhã. Saio antes que ela me aponte a espingarda. Estou atrasada para o meu primeiro dia de trabalho no Beltane e ainda não li o documento que tenho de assinar, nem me resta tempo para ir até em casa avisar ao meu pai e irmão que estou viva.

Tenho sorte de a minha mochila não ter sido roubada no beco em que a derrubei, porém sou obrigada a ver a mancha de sangue no chão e na parede ao lado. Não quero saber onde está o corpo, também ignoro os burburinhos das pessoas comentando sobre o caso de ontem à noite e há gente tentando limpar o sangue. Por fim, vejo pais afastando as crianças da cena.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora