Capítulo 39 - O preço da ganância

2.4K 493 203
                                    

Desde que eu nasci, a porta da minha casa já era pintada de verde, um vibrante. Tenho memórias de perguntar à minha mãe o que significava a escolha e ela dizia que era em homenagem à graça dos druidas e sua cultura bucólica. Meu pai dizia que escolheram o verde porque, acima de tudo, o verde é uma cor que remete à esperança.

Muito além do fogo, o verde destruído e transformado em cinzas é como ver todas as minhas esperanças de uma vida inteira virando pó. Meus joelhos cedem tão rápido quanto as lágrimas se fazem presentes, irrefreáveis. Tento me lembrar dos rostos de papai e Brizo, só que agora vejo na minha mente apenas dois corpos carbonizados e desfigurados.

Eu arrisquei tudo por eles, e meu risco acabou não ferindo a mim, mas a quem eu amava.

Isso é injusto...

Não tenho forças para me levantar. Foi tudo inútil.

Minha mente está prestes a colapsar, e realmente quebraria se uma mão não se apoiasse no meu ombro e a voz de Dian soasse fresca, próxima ao meu ouvido.

― Não fede a carne ― diz para mim.

― O quê?

Eu limpo os meus olhos e me viro para ele. Dian está agachado para falar comigo, com nós dois afogados em um mar de desordem, rodeados pelos civis que não têm coragem de se mobilizarem contra o fogo.

― Dother te contou que druidas têm relação com a natureza e os sentidos? ― pergunta ele.

― Mais ou menos.

― Nossos sentidos são mais aguçados, com ou sem magia. Mesmo como darach, eu tenho certeza de que não há humanos dentro dessas casas ― assegura. É bem visível como Dian observa uma lágrima traçar o meu rosto, apesar de não comentar nada sobre, ele reforça: ― Eu sinto somente o odor da madeira queimando. Eles evacuaram antes.

Eu ameaço tomar distância.

― Por que eu deveria acreditar? ― O encaro com raiva. ― Dother também adorava me fazer de trouxa.

― Então é mais sensato chorar sem fazer nada? ― Dian não economiza na grosseira. ― E se eles estiverem por aí e você ainda tiver uma chance?

― Você é terrível em consolar.

― E meu consolo teria algum valor para você? ― A dúvida é genuína, porém ele não espera por uma resposta, só fica calado, se levanta, cruza os braços e volta o foco para o incêndio que ilumina as suas íris agora da cor dos céus primaveris.

O melhor que posso fazer é suspirar e manter a calma. Inspirar e expirar de novo, enquanto Dian me espera. Tudo bem as minhas pernas tremerem, é só continuar dando um passo após o outro, até eu os encontrar.

Não falta muito para Balor vir diretamente aqui, se é que ela já não mandou alguém atear fogo na minha casa no meio da madrugada. Eu volto a andar e empurro as pessoas no meu caminho. Quase não sei como estou de pé, tirando forças puramente da raiva e até mesmo da porta.

A porta não está carbonizada por completo, ainda há verde, ainda há esperança para eu me agarrar.

Vou até onde eu consigo me aproximar, na direção da entrada. É curioso. A porta está aberta e não há nenhum sapato no cantinho que nós costumamos guardar.

Não tem ninguém em casa...

― Tem a moradia de um tio próximo que eles possam ter se refugiado? ― Ouço a voz de Dian.

― Só uns amigos.

Meu pai é tímido e Brizo é tão recluso quanto. Eles não têm grandes amizades para se refugiarem na casa de alguém. Eu insisto em bater à cinco ou seis portas, amigos de bar do meu pai e colegas da escola de Brizo, mas não os encontro em nenhum canto. Nada. Nenhuma alma viva os viu.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora