O recuo é forte demais e a arma acaba voando para trás, longe de minha mão. O estrondo do disparo me deixa surda por uns segundos e me desnorteia.
Mas é a primeira vez que eu fico contente de ver vermelho.
O chão, as caixas, tudo ganha uma nova cor e, depois do barulhinho solitário da bala se chocando contra o solo, ouço os pingos reverberarem e Dother levando a mão ao ombro atingido. Ele declina para o lado, se apoia bruscamente nas caixas do armazém e leva os olhos para a região atingida, com toda a sua roupa branca sendo preenchida por carmesim.
Estou desarmada, observando-o se virar para mim, a expressão de desprezo idêntica à de Carman.
Não me arrependo. É ótimo lembrar que druidas sangram como humanos.
― Tire essa marca do meu pescoço. ― Mesmo que eu esteja diante da morte, não vou implorar. Não há por que Dother me manter aqui se eu sou pior do que uma humana comum. Sou miserável para ele.
― Você não cumpriu com a sua parte do acordo, então eu não cumprirei com a minha. ― Ele está indiferente, nada intimidado com o revólver, sequer faz menção à existência dele.
A minha reação imediata é dar as costas para Dother, para recuperar a arma jogada atrás de mim. Sei que ele está blefando.
― Olho por olho, Bridie.
Quando eu me viro para atirar de novo, já pressionando o gatilho, minha mão é atingida por um fragmento de gelo no momento do disparo e, sem que eu entenda de imediato, o meu grito é atroante. Foi como levar uma descarga elétrica por todo o meu corpo. A arma cai novamente e o fragmento afiado de gelo está tomando a cor vermelha, tendo atravessado a minha mão de um lado para o outro e fincado feito um dardo.
Não há como tirar ou parar o sangramento. É escorregadio. Dói demais. Está pulsando. Parece que eu estou anestesiada, com toda a dor concentrada em um único ponto.
― Imaginei que você seria do tipo que mata covardemente. ― O olhar reprovador de Dother é tudo o que eu recebo, enquanto ele volta a me ignorar para sair do armazém, após destrancar a porta.
Tenho que ir contra todos os meus instintos. Contra o medo de morrer, contra a agonia que está devastando a minha mão. Mesmo de pernas trêmulas e mal conseguindo respirar, eu me agacho e pego a arma com a outra mão.
Eu vou atirar, mesmo se outra lâmina de gelo me ferir.
No entanto, só vejo os seus pés subindo as escadas. A minha única chance de sair de Kildare está me deixando para trás e não pretende mais me apoiar. Eu me coloco a correr na sua direção, pronta para tentar atirar nos seus pés e fazê-lo parar, só que eu não consigo ir além da porta com Muirenn e Muirne vindo na direção contraria e me empurrando para longe de Dother. Ambas me agarram uma em cada braço e não soltam.
― O que vocês duas estão fazendo?! ― Tento me desvencilhar delas, contudo, como druidas, ambas são mais fortes do que eu. ― Não deixem ele ir! Eu preciso ir para cas...
― Cala a boca e escuta! ― vocifera Muirne, assegurando que a mira da arma fique longe delas.
― Bridie, você foi ao Beltane? ― Muirenn fala mais baixo, porém a urgência explícita.
― Fui.
― Quais foram os números dos ingressos? ― indaga a outra.
Esse definitivamente não é o tipo de coisa que a minha memória vai se dar ao trabalho de lembrar agora. Antes de responder, percebo que Dother já se foi e que está cada vez mais distante. Kildare é grande demais para encontrá-lo. Eu perdi. Eu realmente perdi.
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A Forjadora do Desastre
Fantasy✨Eleita uma das melhores histórias de 2021 pelos embaixadores do Wattpad e finalista no Wattys 2021!✨ Por amor, ela quebrará as regras. Aisling tinha apenas oito anos quando sua mãe foi peregrinar. Quinze quando seu pai entrou num perigoso jogo de t...