A sensação é como estar parado. A brisa leve e gelada arrepia cada centímetro do meu corpo. O corredor da casa de Leanan parece infinito, a porta rangendo me faz rilhar os dentes e vislumbrar papai e Brizo sentados em uma cama é o suficiente para fazer as minhas pernas colapsarem.
Os meus olhos doem, mas as lágrimas não saem. Estou tão devastada que sequer consigo chorar.
Minha família também vai ao chão, com os dois me levantando só o suficiente para me abraçarem. É quente. Eu não percebi que estava com tanto frio até instantes atrás.
Queria que esse único minuto fosse eterno.
― Meu amorzinho... ― Ouço a voz abafada do meu pai e sinto suas lágrimas percorrendo os meus ombros.
O cheiro deles é como me lembro, mofo e peixe, mas é exatamente disso que eu precisava para recuperar os sentidos, só o bastante para poder conversar.
― Vocês estão bem? ― eu indago, após nos separarmos e levantarmos devagarinho.
Brizo cruza os braços. Os seus cabelos estão crescendo de novo e há algo diferente nele, como um ar mais responsável e a postura menos retraída. Não sei o que aconteceu, mas eu gosto de vê-lo assim.
― É... já foi pior. ― O conformismo de Brizo não me engana, estou vendo as lágrimas que está segurando. Sua sensibilidade não mudou, e nem quero que mude. ― A gente só vai ter que morar em outro país para não acabar morto, não é? Não é tão ruim se todo mundo vai ficar vivo, maninha.
― Eu não vou poder ver vocês ― nego o seu positivismo. ― Como vão se sustentar lá?
― Sobre isso... ― papai começa a dizer, porém a presença de Leanan o faz parar.
― Fiz café agora há pouco ― informa, encostada no batente da porta e apontando para fora do quarto. ― A viagem vai ser longa, então melhor irem encher o estômago. Não percam tempo só com conversa fiada.
Ninguém discorda. Permito meus familiares irem na frente e olho para trás, para o canto que Dian está reservado, aguardando eu sair para também me seguir, porém tão silencioso que certamente não é o momento ideal para conversar.
Eu não tenho família.
É irritante como esse pensamento não se ofusca e não se perde na minha mente, mesmo que eu balance a cabeça, tentando o afastar. Estalo a língua, desviando a atenção de Dian e sigo pelo corredor com o piso rangendo.
Leanan não se deu ao trabalho de colocar uma toalha de mesa ou fazer uma grande preparação para a última refeição da minha família em Wexford. É algo bem esperado para nós, simples, ordinário e humilde, como sempre fomos. E eu acho que essa é a melhor parte: a simplicidade, a sensação cálida de estar de volta em casa.
Tem espaço para cinco pessoas na mesa circular com pães e uma cafeteira de alumínio. Dian é o único que não se acomoda por livre e espontânea vontade, afinal ainda há um revólver apontado para ele. É quase como se Leanan conseguisse olhar para dois lugares diferentes, pois ela põe o seu café numa caneca branca com a maior naturalidade e sua atenção se desvia periodicamente para ele, então retorna ao seu desjejum.
O café é bem ruim se comparado ao que eu tomei nas manhãs em Kildare, porém não vou reclamar, pois é meio adocicado, apesar de fraco.
― Voltando ao assunto... ― começo, assoprando o café.
― Ah. ― Brizo queima a língua e olha para mim. ― A gente parou de gastar o dinheiro que você ganhou. Devolvemos a geladeira, o fogão e o sofá novo, e também cortamos a energia. O pai disse que não era justo contigo e que a gente não podia se deixar levar.
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A Forjadora do Desastre
Fantasi✨Eleita uma das melhores histórias de 2021 pelos embaixadores do Wattpad e finalista no Wattys 2021!✨ Por amor, ela quebrará as regras. Aisling tinha apenas oito anos quando sua mãe foi peregrinar. Quinze quando seu pai entrou num perigoso jogo de t...