Capítulo 7 - Regras são claras como o disparo da arma

4.3K 748 597
                                    

Brizo passou a repudiar o Beltane desde a época em que nós tivemos de carregar até em casa o nosso pai tendo hemorragia. Foi um milagre que o salvou, e Brizo acredita tão piamente nisso que não dá espaço para uma segunda chance. O mesmo vale para mim, porém meu irmão ainda é mais radical. Ele não participa de nenhum dos sete dias do festival, tem raiva e fica isolado no cais, pescando por horas e horas enquanto estuda.

— Não vai mesmo querer ir? — insisto, balançando os três bilhetes dourados na cara de Brizo, enquanto jantamos. — São de graça. De. Graça.

— Nem se a Leanan Sidhe conseguir um marido que dure por mais de dois anos. — Ele empurra a minha mão e quase me faz engolir os cartões.

Meu pai só nega com a cabeça, reprovando a nossa infantilidade no meio do jantar. A hora de comer é sagrada, ele sempre diz, e está dizendo com o olhar.

Se Brizo não quiser ir, eu posso usar esse ingresso no próximo ano.

— Vou para a cama — anuncia meu irmão, logo após engolir a salada.

— O que foi? — Papai ainda está saboreando um betara que Brizo trouxe como se fosse a Maçã dos Sonhos, que dizem ser o fruto mais saboroso do mundo.

— Dor de cabeça. — Ele passa rápido por mim, dá um beijinho de boa noite na minha cabeça e faz o mesmo com meu pai.

Olho para o meu velho depois de Brizo entrar no nosso quarto e ambos damos de ombros. Vamos dormir em seguida.

Ao chegar no quarto, não é difícil perceber que Brizo ainda não está dormindo.

— Ansioso com o quê? — indago sem nenhuma pretensão em mente, enquanto me sento no colchão. Minha cama e a de Brizo são divididas pela janela do quarto estreito.

— Nada não.

Engana ninguém.

— Fala.

— Não quero. — Ele puxa o travesseiro e, além de tapar a cabeça, vira de costas para mim. Só consigo ver o seu cabelo castanho mal amarrado em um rabo de cavalo.

Sou obrigada a desistir, então apenas me estico na cama e logo vejo estrelas. Sonho tão profundamente que nem um desabamento teria me acordado, exceto quando ele chega até mim e parece que eu estou desabando. Sempre acordo assustada quando sonho que estou caindo.

— Bom dia — cumprimenta meu pai, com um sorriso suave, sentado no pé da minha cama.

— Já é dia? — Afago os olhos e demoro a me acostumar com a luz vinda da janela. Ao abri-los, percebo algo estranho. — Cadê o tampinha?

— Seu irmão disse que queria pescar antes de ir para a escola.

— Menino estranho — confesso sem querer, o que tira uma risada do meu pai.

— Vai levar o vestido da sua mãe para vestir depois do trabalho? — indaga ele, apontando para o canto do quarto, onde fica o armário de madeira escura que tem uma porta virada de lado, já que as dobradiças de cima caíram. Parece uma obra de arte trágica. — Tem um azul lá, só deve estar com cheiro de mofo.

— Ah. — Eu não tinha pensado nisso. — Vou guardar na minha mochila e me troco depois. Nos encontramos no Salão Cóisir às oito horas?

Meu pai confirma com a cabeça e deixa o quarto. Ouço ele abrindo o próprio armário para procurar o que vestir, se é que tem. Na mesma, eu levanto, tiro pelo cabide o vestido azul-celeste e o estendo sobre a cama. É um vestido midi, possui um sutil decote em V, mangas curtas com babados, caimento com amplitude e amarração frontal. Está realmente cheirando a mofo. Mas é um mofo... nostálgico. Há quantos anos que minha mãe começou a peregrinar? Dobro o vestido com todo o cuidado do mundo, aconchego em um paninho velho e o coloco em cima de todas as ferramentas para não sujar. Fecho o zíper e estou pronta para o meu último dia como forjadora de anéis do Beltane.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora