Capítulo 6 - Velha suspeita

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Cidadãos de Tuatha Dé Danann, desejo a todos humanos e druidas um excelente Beltane. Que os druidas desfrutem do evento e que muitos humanos tenham sorte para receberem a bênção.

Estou ouvindo a reprise da abertura do Beltane no rádio. É o próprio rei quem fala, Dagda Fir Bolg. Todo ano ele faz um discurso ligeiramente diferente e sempre dou uma risadinha quando ele diz "Tuatha Dé Danann" por forçar o sotaque kildariano. O povo de Wexford já desistiu de falar o nome do próprio país, então o chamamos apenas de Danann.

Não consigo discernir o discurso, pois eu e mais quatro ferreiros fazemos barulho e vencemos a altura do rádio cilíndrico de madeira que está ao meu lado, numa mesinha. Só ouço a parte em que o rei encerra:

Talvez você já tenha encontrado a sua posição no mundo, o seu propósito, a sua missão, aquilo que quer fazer de bom pelo resto da sua vida. Se ainda estiver procurando, saiba que este lugar existe e está esperando por você. Não existe um prazo para você encontrá-lo, por isso, o único jeito é se abrir para todas as oportunidades e possibilidades que surgirem e não se permitir desistir.

Enfim, o narrador da rádio — druida, com certeza — toma a fala para fazer seus comentários a respeito do que ele espera para o Beltane.

Os sons de martelada ficam abafados dentro da minha mente. Esqueço até do comentarista. Saiba que este lugar existe e está esperando por você. Eu confesso que não consigo parar de pensar a respeito. Será que já estou no meu lugar? Há algo faltando?

— Aisling? — A voz de Feal se propaga no ambiente cálido e turbulento. Ele está à minha frente com algo em mãos. Um saco bege, de textura grossa, tem silhueta de paralelepípedo e um lacinho vermelho fecha o pacote.

— Sim? — Procuro disfarçar a minha distração e volto a dar marteladas meio mal feitas. Não quero ter o perigo de receber menos dinheiro logo no segundo dia.

— Um druida passou por aqui e pediu para te entregar. — Ele estende os braços e eu faço o mesmo, pondo o pacote no colo para desatar o nó do laço. — Você é sortuda, hein? Tem cara de druida e ainda é procurada por um.

— É sim, uma maravilha ter cara de druida. — Minha ironia é clara como o dia, porém não acho que Feal tenha captado a mensagem. — E é apenas o meu professor querendo que eu estude — revelo, após ver os dois livros didáticos que estão no pacote.

— Deixa eu ver? — pede. — Nunca fui à escola.

— Não sei se perdeu alguma coisa. Você já trabalha. — Dou de ombros e o entrego um livro da Língua Danês. Feal folheia as páginas, olhando as ilustrações infantis. — O professor Redmond sempre foi insistente comigo e com meu irmão. Teve até uma vez que ele veio me ensinar gramática da janela enquanto eu forjava uma lança.

Percebo que os outros ferreiros estão silenciosos e prestando atenção na nossa conversa.

Feal ergue uma de suas sobrancelhas grossas.

— Então druidas têm coração e se preocupam conosco? — Agora sou eu que sinto a ironia. — Não sabia. Para mim eram só desgraçados ganhando com a nossa desgraça.

Só o encaro, gesticulando para me devolver o livro e não respondo. Se a minha boca se abrir, o clima ficará tenso e claramente estou em desvantagem aqui.

Eu não odeio druidas. Não quando sei que já foram humanos que provavelmente tiveram uma vida miserável, e conquistaram sozinhos ou com sorte a bênção de druida. Não os culpo por serem bem-sucedidos, culpo a mim por não os alcançar. Mas há gente por todos os lados que desconta as suas frustrações tendo inveja do sucesso dos outros.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora