Não sei o que eu fiz depois que corri de volta para a oficina, só esperei pelas três da manhã e retornei ao meu dormitório. Fingi não ter visto nada, esperançosa de que eu realmente pudesse me esquecer de Dian e Carman.
Tenho um sono ironicamente agradável, mesmo que preenchido por pesadelos desconexos e perturbadores. Não me lembrarei deles quando acordar. Meu corpo está leve e ao mesmo tempo é como se estivesse afundando no colchão, com cada hora soando como um minuto e me desintoxicando de toda a insanidade. É como beber água depois de ter corrido por horas ininterruptas, a satisfação, cada minuto sentindo o travesseiro fofo, a coberta aconchegante e a tranquilidade.
Não sei quanto tempo se passou. Há alguém empurrando as minhas costas para lá e para cá, a voz parecendo só um murmúrio grave. Ela é insistente e me atiça a curiosidade, tanto que eu consigo abrir os olhos e me viro de costas para ver quem está me chamando.
— Bridie, você está passando dos limites. — É Shira, a minha chefe. Ela se afasta de mim, cruza os braços e começa a bater o pé. Eu mantenho os olhos nas suas unhas gigantescas. — São dez da manhã.
— Mas eu tinha colocado o relógio para despertar. — Fico de bruços e estico o braço, para pegar o relógio redondo e vejo que ele despertou no horário, porém eu perdi a hora. — Perdão, isso não vai mais acontecer.
É verdade, afinal não irei continuar trabalhando aqui. Não preciso mais carregar suprimentos enquanto os condes discutem o clima pacato, ou cortar madeira enquanto as crianças estão tendo aulas ao ar livre sobre a magia druida, ou, mais importante, não preciso mais me encontrar com Dian e nem tirar o pó do quarto de Kiera.
É impossível esquecer, a voz da Rainha Carman ainda me assombra com o escárnio, porém é estúpido eu remoer essas memórias. Não tem nada a ver comigo. Eu não vi nada.
— Caso esteja se sentindo doente, consulte um druida liang para receber medicação — diz Shira, encaminhando-se para a porta. — Descanse por hoje. Melhoras.
— Obrigada.
Shira é uma druida de poucas palavras. Posso reclamar que é metódica demais, cobra muito de mim e sempre está de olho nos seus empregados, mas é alguém dialogável.
Muirenn e Muirne estão na beliche, com Muirne em cima e Muirenn embaixo. Eu me levanto e ando na ponta dos pés sobre o piso frio de madeira que mal range. Entro no banheiro, fecho a porta logo que apanho as peças de criada espalhadas pelo quarto e evito causar barulho.
Hoje é um dia importante demais para ficar na cama e descansar.
Saio do quarto cinco minutos depois de Shira e me encaminho até o Crann Bethadh. Como sempre, não há nada mais monótono e entediante do que ver Kildare nos seus detalhes. Tudo é tão fácil e requintado que, falando hoje, posso dizer que os próprios druidas estão rodeados pelo tédio de uma vida farta e sem muito significado.
Inspiro e expiro, tentando controlar a ansiedade. Hoje é a primeira vez que vou no quarto de Dother por vontade própria e estou pensando nos meus melhores argumentos para que ele aceite retirar essa marca do meu pescoço. Inspiro e expiro outra vez. Não sei como Dother vai reagir, mas tenho que estar preparada.
Bato à porta do seu quarto com as costas da mão, carregando uma vassoura na outra — assim tenho a justificativa de que vou entrar para varrer. Sem resposta. Bato de novo e o silêncio me recebe.
Acho que está tudo bem se eu entrar, eu limpo o quarto de Kiera justamente quando ela não está. Talvez tenha uma pista do paradeiro de Dother e terei que descobrir sozinha, pois é arriscado perguntar a localização de um príncipe sem ter uma ótima razão e agora não vou conseguir pensar em nenhuma.
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A Forjadora do Desastre
Fantasy✨Eleita uma das melhores histórias de 2021 pelos embaixadores do Wattpad e finalista no Wattys 2021!✨ Por amor, ela quebrará as regras. Aisling tinha apenas oito anos quando sua mãe foi peregrinar. Quinze quando seu pai entrou num perigoso jogo de t...