Tenho sorte por Feal apenas concordar comigo. Seguimos o dia em silêncio, cada um com a sua função e revezando. Ao anoitecer do primeiro dia, não estou tão cansada quanto fico normalmente — afinal existem quatro pessoas fazendo o que faço sozinha — e minha última tarefa do dia é cravar os nomes dos participantes do Beltane nos anéis, como uma identificação, e não reconheço nenhum nome na lista que dou uma olhada por cima. Ainda bem.
Feal foi recepcionar o druida de túnica vermelha que veio avaliar o nosso trabalho. O nobre tira cinco sacos de seda de sua bolsa e entrega para Feal, que distribui entre nós. Conto as moedas rapidamente e o valor confere e, sinceramente, posso vender até a seda que constitui o saco. É difícil não sorrir.
Sinto uma mão tocar rapidamente o meu ombro.
— Bom trabalho hoje, Aisling — Feal se despede também com um aceno de mãos, jogando o seu saco de moedas para o alto repetidas vezes. Ele nem chegou a conferir.
Em pouco tempo, estou de volta em casa. Andei tão depressa que praticamente corri pelas ruas. Só consigo imaginar o quanto meu pai e Brizo ficarão felizes com o meu ganho do dia. Será a melhor surpresa do ano, sem dúvidas.
Giro a maçaneta e passo pela porta verde, dando de cara com meus parentes reunidos na mesa da cozinha, silenciosos e cabisbaixos.
— Voltei... — eu anuncio, num sussurro. Acabo de me lembrar que estou desaparecida há mais de um dia.
Os olhos de ambos se iluminam quando passo pela porta e os cumprimento. Eles levantam imediatamente das cadeiras e nem me deixam dizer nada, apenas me abraçam como se eu tivesse morrido e voltado dos mortos. Sou quase sufocada no ato e começo a bater em Brizo, que se afasta junto de meu pai, sorrindo.
A nossa casa acaba de ganhar cores, apesar de continuar empoeirada e mal cuidada como sempre foi. Sorrisos são difíceis de aparecer por aqui, e justamente por isso são valorizados.
— Tive que passar a noite na casa da Leanan — conto, sem detalhes. — A rua estava um perigo.
— Aquela velha é maluca, por que ouviu ela? — Brizo ergue as sobrancelhas. — Achei que fosse menos ingênua, Ais.
— Falou o pirralho que acredita quando o papai diz "na volta a gente compra" — revido e empino o nariz. Gosto de irritá-lo, mas dessa vez acabamos rindo. Meu pai se encolhe, envergonhado por ainda não conseguir nos negar os mimos e não ter dinheiro para pagar.
— Tenho uma boa notícia — eu revelo. — Vamos sentar!
— Oh, eu também tenho! — Isso é raro de se ouvir vindo do meu pai.
Confesso que estou curiosa. São poucas vezes no ano em que meu velho tem tanta vivacidade nos seus olhos escuros e sua expressão carrega traços positivos.
— Conte você primeiro — passo a vez.
Nos sentamos à mesa, com três pãezinhos para cada. Estou inclinando-me para pegar o pão enquanto o meu pai demonstra o melhor sorriso do dia:
— Você vai se casar! — De repente, seguro o pão com tanta força que voam cascos. — Com Conan. Ele aceitou casar contigo! Assim podemos pagar a multa e...
Não estou mais com fome. A casa parece desmoronar em cima de mim, e sinto os escombros pesando nas minhas costas, quando são apenas as ferramentas do meu trabalho duro. Não percebi que ainda carrego a mochila nas costas. O olhar que entrego ao meu pai é capaz de fazê-lo abaixar a cabeça e não aparentar mais nenhuma alegria. Brizo entende o recado.
Eu não acredito.
— E decidiu isso sem falar comigo — digo, normalmente.
— O rapaz sempre pareceu gostar de você — meu pai sabe que vai se arrepender disso, porém ele continua. — É você quem eu vi sempre destratar dele. A família dele tem condições melhores que a nossa. Vão nos tirar da fome...
Querem impressionar os druidas tanto assim? Peça para sua filha vir aqui, há outra forma de pagamento. Lembro claramente do que Conan ousou oferecer para um homem passando por necessidades. Não quero imaginá-lo como esposo.
Brizo não solta um pio.
— Uma vez você me disse "não participe do Beltane, se não quiser perder a sua dignidade". — Minhas pálpebras estão saltando de raiva ao encarar o meu pai. — Onde enfiou esse discurso? Onde estará a minha dignidade casando com o comerciante mais nojento desse condado?
Antes que meu pai tenha a oportunidade de revidar, de supetão, eu finco o saco de monas na mesa como se estivesse perfurando a madeira velha com uma faca. O som faz eco e devolve o meu direito de fala.
— Eu sustento essa família e sustento a minha dignidade do meu jeito. — Sinto a minha voz falhar, porém agora é minha vez de não conseguir parar. Os olhos marejam. — Minha dignidade é tudo o que me resta, sem isso... Nós só somos gente esperando para ser jogada na terra e esquecida. Eu não quero isso. Não importa o quanto tenha que me matar de trabalhar, não posso aceitar isso. Eu vou nos tirar desse lugar, do meu jeito...
— Como? — A questão de Brizo é genuína. — O pai nunca conseguiu o título de ferreiro oficial.
— Eu não fui convocada para participar do Beltane, e sim para trabalhar nele. Estou fazendo anéis de identificação e recebendo cem moedas por dia até o fim do evento — explico enfim, sem o menor entusiasmo que pretendia ter contado. — Se fizer direito, podem considerar a minha oficialização. Não é muito, mas é um começo.
— É um começo — repete o meu pai. Tudo nele transborda a culpa. — Desculpe, meu bem. Entre viver ou ter dignidade, eu sempre vou escolher pela sua vida.
— Mas eu não escolho isso, pai.
Eu sei o quão difícil é para ele, porém não posso mentir, muito menos aceitar o pior acordo da minha vida.
Não há mais troca de olhares. A casa voltou a seu silêncio taciturno quando decido ir para a cama, depois de me trocar para uma camisola de bolinhas e finalmente como o meu pão amassado. Foi só uma discussão, está tudo bem. Meu plano vai dar certo.
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A Forjadora do Desastre
Fantasy✨Eleita uma das melhores histórias de 2021 pelos embaixadores do Wattpad e finalista no Wattys 2021!✨ Por amor, ela quebrará as regras. Aisling tinha apenas oito anos quando sua mãe foi peregrinar. Quinze quando seu pai entrou num perigoso jogo de t...