Capítulo 23 - O som da contagem regressiva

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— Atrasada para o primeiro dia na nova oficina. — Sou repreendida por Balor.

Não a localizo até sentir a fisgada de um de seus espinhos, com ela puxando a minha mão bruscamente, guiando-me para a portinha que é o único elemento a trazer luz aos meus olhos mal acostumados.

— Dother pediu para que eu respondesse à carta dele — justifico.

— E eu imagino que se dedicou bastante. — O sorriso perverso surge nos seus lábios pintados de vermelho.

Eu realmente não entendo os motivos para Balor insistir tanto na questão, de querer que eu conquiste a confiança de Dother. Eu e Balor não somos aliados, lembro-me do que ele me disse há dias, em um de seus avisos. Posso estar ficando paranoica outra vez, mas não acho que agora seja exagero da minha parte.

Sempre que olho para Muirenn, Muirne ou Balor, druidas que sabem a respeito da minha humanidade, algo nelas me traz a sensação de que também não compreendem o príncipe Dother. Não foi uma vez que as vi ficando desconfortáveis ou em dúvida de suas palavras.

Se quero seguir com o jogo que Balor me propôs indiretamente, tenho que me manter um passo à frente dele. Pelo menos em Wexford, ninguém faz tanto pelo outro por pura caridade, sem esperar nada em troca. Se eu puder supor e prever a recompensa que Dother pode me exigir no futuro, qualquer que seja, será de grande ajuda para eu me garantir.

Tentarei extrair mais informações de Dother sem parecer suspeita, assim que o encontrar. Agora o foco é na minha nova oficina.

A general de Danann tem que dobrar as pernas para conseguir passar pela portinha que leva ao cômodo.

Sigo atrás dela, tendo um vislumbre mínimo do ambiente ainda mais amplo do que a minha primeira oficina no subsolo. Não há janelas ou portas, estranho. As paredes de tijolo não foram pintadas e nem há um piso caro revestindo o solo. É bem rústico para um cômodo do Crann Bethadh, apesar das ferramentas e móveis continuarem impecáveis. Improviso é uma boa palavra para definir.

O fato de eu não me focar tanto no ambiente é porque eu saio de trás de Balor e me deparo com três pessoas. Humanos.

Um deles é um homem tão grande que deve ser necessário duas de mim para alcançar a sua altura. Ele só não rivaliza com Balor. Seus cabelos castanhos estão saindo algumas mechas pelo boné vermelho e branco que usa e ele tem uma barba mediana no queixo que, inclusive, parece que recentemente pegou fogo pela metade faltando. Os músculos no seu braço e o seu olhar enquanto forja me dão a certeza de que a musculatura do seu cérebro deve estar nos bíceps.

O outro me lembra muito Conan, o rosto tão delicado quanto o corpo e as roupas bem limpas. É o que menos se assemelha com um ferreiro comum e já é alguém para eu não me enturmar por ter uma feição desagradável, do tipo que vai ter uma resposta espertinha e assanhada para tudo.

O último, por fim, eu analiso o seu uniforme verde musgo, a barba branca crescida e ainda o reconheço como o velho Alby. Não o vejo desde a véspera do Beltane. Deveria ter esquecido sobre ele, ainda mais por me parecer só um rabugento, mas ele é o mestre de Feal. Era.

Nunca imaginei que observar um quase desconhecido seria tão doloroso. Ver Alby me faz lembrar dos dias que Feal saía saltitante pelas ruas, jogando o seu pacote com cem monas de prata para o alto, sem nunca nem conferir. O meu primeiro amigo em anos.

— Por que há humanos aqui? — questiono finalmente.

— O contratante não ficou totalmente satisfeito contigo, menina. — A frase de Balor faz um frio inesperado traçar a minha coluna. — Esses são os seus substitutos, para caso você falhe.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora