Os passos suaves de Dother sobre o piso de cerâmica tomam conta do ambiente. O máximo de pessoas que vejo passarem são apenas criadas, ninguém de maior posição social. É solitário e reservado, mas não vou me deixar enganar por essa bonança, não quando dizem que as paredes têm ouvidos.
Também não desconsidero a inquietação que Dother me causa. Acabei de sair de uma audiência, por sorte com todos os meus membros do corpo no lugar, porém remexo as minhas memórias e vejo como eu poderia ter saído de forma muito diferente, sem que ele tivesse assumido a culpa.
Sequer tive tempo para me recompor do terror de minutos atrás. Ser convidada para enlaçar o meu braço com o de um príncipe e caminhar ao seu lado... isso não é algo que me acalma.
Nenhum banho será suficiente para tirar de mim a insegurança de que eu posso estar sujando Dother. Meu toque é tão frouxo que tenho receio de ele achar que estou o negando.
― O que está achando do Castelo de Crann Bethath? ― Dother está tranquilo, indagando sem nenhuma pretensão aparente. Audiências devem ser rotineiras como um café da manhã para ele.
Quanto à resposta que quero dar, ela varia de "esse é o lugar mais bonito e encantador que eu já estive", para "eu prefiro conviver com os ratos do esgoto de Wexford, porque a leptospirose parece ser menos letal".
Acho que a primeira opção é a que me mantém viva por mais tempo.
― É encantador ― digo, tentando ser casual. ― Mal posso esperar para conhecer o restante do castelo.
Os olhos cristalizados de Dother brilham mais do que o comum. Devo ter acertado na resposta.
― Você acha isso, mesmo sem ter ideia do que acabou de te acontecer? Digo, com relação ao obair...
― Sim, ainda acho. ― Não penso o suficiente na resposta. Demorar é pior. ― Vossa Alteza não teria me procurado se tivesse acontecido algo ruim na audiência.
― Dother. ― Ele balança a cabeça. ― Eu prefiro que você me chame pelo nome. Não ficaria feliz se a nossa amizade fosse afetada por um título.
Que amizade, se você me escondeu algo tão importante?
― Desculpe, Vossa Alteza. ― Tenho que insistir. Não deixo de notar a contração no músculo do braço dele, como se quisesse me aproximar de si, para me assegurar de coisas que já não confio tanto. ― Eu teria problemas se fosse desrespeitosa contigo em público. Balor vai me reprimir.
Eu pressinto a estranheza no ar enquanto andamos pelo corredor vazio. Não estou agindo dentro das suas expectativas. Dother não olha mais para mim, mas eu o observo. Quero ver e imaginar o que está pensando e, considerando o tanto que ele mexe os olhos, devo supor que está hesitante ou indeciso, sem tentar forçar um sorriso falso como o do irmão.
Ao menos, posso dizer com certeza que Dother não atua como um demônio feito Dian. Dother é um livro aberto.
― Ah... ― Parece que o som da sua boca sai sem querer. ― Às vezes me esqueço de que Balor te contratou somente para forjar aquela arma idiota e nada mais que isso.
― Se eu fizer algo de errado, posso estar trazendo problemas para ela. ― É a primeira coisa honesta que eu digo, afinal, se Balor tiver problemas, eu terei piores.
Dother se demora enquanto me observa. Tem quase a mesma altura que eu, só é um pouco mais alto. A nossa proximidade me permite inalar o seu perfume semelhante ao das rosas, o que é quase comum a todos druidas que estive perto, pois há jardins em qualquer canto de Kildare, até dentro do Crann Bethadh. Sinto que se eu tentar me desvencilhar dele, não terei sucesso, apesar de Dother ter a expressão suave no seu rosto. Eu continuo com a minha insegurança de tocá-lo tão abertamente, então é ele quem mantém os nossos braços unidos.
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A Forjadora do Desastre
Fantasy✨Eleita uma das melhores histórias de 2021 pelos embaixadores do Wattpad e finalista no Wattys 2021!✨ Por amor, ela quebrará as regras. Aisling tinha apenas oito anos quando sua mãe foi peregrinar. Quinze quando seu pai entrou num perigoso jogo de t...