Capítulo 38 - Darach

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Alívio. Alívio é uma boa palavra para definir a breve calmaria que me preenche.

Eu tateio o chão até encontrar a arma e a coloco de volta no bolso.

― Não vai assobiar? ― eu pergunto. Não enxergo nem um palmo à frente.

― Não importa mais. ― Dian parece despreocupado. ― Eu espero que você saiba retornar sem precisar da visão.

― Sei, mais ou menos ― digo, já traçando o meu caminho.

Devo tentar sair pelo Bhaile. Se tiver qualquer indício de Balor ou um criado me olhar esquisito, o mais sensato é eu voltar e ver onde os outros caminhos da passagem me levam. O ideal é sair daqui, roubar um cavalo e ir direto para Wexford.

Eu fui vendada todos os dias por Balor. Não sei exatamente o caminho de volta, só conheço a direção de Wexford pelas chaminés das indústrias.

E confesso que eu não consigo pensar desse jeito.

― Pare de me seguir. ― O meu tom é cheio de ameaça.

Ainda assim ouço os passos de Dian me acompanhando, bem ao meu lado.

― Eu disse que você está livre, mas não totalmente ― relembra, cheio de deboche. ― Acontece, Aisling, que eu não posso mais me distanciar de você o quanto nós dois gostaríamos. Eu também disse que remover o nó não traria nada de bom para nenhum de nós e você teimou.

Eu paro de andar e me viro. Há uma vantagem por estarmos no escuro, não preciso encarar os olhos de Dian depois de ter me deixado levar por aquele impulso e, pior ainda, por me lembrar que ele fez o completo oposto de me afastar.

― O que aconteceu contigo? ― É uma questão sincera, afinal não imagino que Dian esteja fazendo graça para dificultar o meu caminho, ou, pensando melhor, talvez ele esteja. ― Pare de enrolar.

― Qual a parte do "prejudica a nós dois" você não entendeu? ― rebate. ― Estou assobiando, você está ouvindo, e nenhuma magia se faz. Eu perdi a minha bênção em troca da sua liberdade.

A última coisa que eu vi antes do breu foram as suas íris perdendo a cor. Não sei como ficaram. Agora eu me arrependo um pouquinho de estarmos no escuro, não só porque Dian está andando a um passo na minha frente e eu tropeço nos seus pés.

― Calma, não precisa ser tão perto assim. ― Ele ri.

― Você perdeu a sua bênção. ― Eu não desvio o assunto. Isso foi inesperado demais para deixar passar em branco. ― É um humano agora ou o quê?

― Não. Não sou nada. ― Vindo de Dian, é bem sincero. ― É uma tradição milenar. Pelo pouco que eu busquei entender, se você liberar um criado do nó do obair, você é taxado como um inferior por conceber a liberdade a alguém que supostamente a vendeu. Como consequência, você é visto como um druida que seguiu os caminhos da imperfeição e, sob os olhos divinos, perde a bênção e se torna um darach, que é o mesmo que escória.

Estou curiosa, admito.

― E isso te afeta de que forma, tirando a parte mágica?

― Não sei. Meu corpo não parece diferente. ― A despreocupação dele é notável. ― Não sei se há registros de darachs, porque nenhum druida deve ter sido tão estúpido.

Apesar de estarmos com os passos apressados, comigo quase correndo para deixar Kildare o mais rápido que puder, ainda é um caminho longo e que não sei se dará resultado. É um perigo se eu deixar a minha imaginação reinar, especialmente quando tudo o que eu vejo é escuridão.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora