Capítulo 16 - Bridie que veio de lugar nenhum

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A escuridão ao nosso entorno é nociva e cheia de veneno. Os gases mais concentrados passam pelos meus olhos e evito o toque. O cheiro é pútrido e metálico. Andar é uma dificuldade, com todos os vinhedos espinhentos tomando conta da minha visão e trazendo uma promessa derradeira. Estão me cercando, e nem por isso recebem a minha atenção.

Minhas mãos se fecham no braço de Feal com uma força que nunca usei antes, não me importo em machucar e deixar roxo, não quando ele acertou a cabeça de Brizo mais de cinco vezes com um martelo. Meu irmão está imóvel e eu apavorada. O horizonte escuro é preto e o chão manchado de vermelho. Posso ver meu reflexo macabro enquanto lamento pelo meu irmãozinho.

Sei que Feal parará se eu tirar a falcata presa no canto de seu pescoço. Eu imploro para ele parar, imploro o seu perdão pelo o que eu cometi. A culpa queima o meu coração. Sou covarde demais para desfazer o que fiz, por isso eu não tento tirar a falcata do seu pescoço.

Meus olhos se abrem quando a súbita vontade de vomitar me assola. Sou rápida e desesperada para inclinar o meu corpo para o chão e mirar no balde de plástico que meu pai me trouxe assim que eu cheguei em casa, há poucas horas. Não lembro do caminho do retorno, nem quem me trouxe ou quando troquei de roupas, só penso em continuar pondo as minhas tripas para fora, até cada gotícula da seiva sair do meu estômago fustigado.

Ao menos é um alívio ver o rosto enojado de Brizo, na cama ao lado da minha. Afasto as lembranças do sonho, de ter sua cabeça sendo martelada por Feal. Ele está saudável e vivo.

Papai entra no quarto para afagar as minhas costas.

― Põe tudo para fora ― ele incentiva, mesmo depois de eu limpar a boca e estremecer. Ambos já sabem o que aconteceu, pois contei antes de simplesmente desmaiar na cama. A campainha reverbera e meu pai não sai do lugar. ― Seu professor está na porta de casa e já tocou umas vezes.

― Pode deixar ele entrar ― digo, entre as ânsias. ― Ele sabe que não estou presa.

Papai segue até a cozinha ― onde também tem a porta de entrada ― e abre para Redmond. Escuto o cumprimento de ambos e logo meu pai está indicando a minha localização na casa. O homem que entra e senta no pé da minha cama já voltou a ser o professor que eu conheço, resignado, simpático e controlado. Sua túnica branca com detalhes em vermelho tem cara de ser um traje informal, embora ainda seja mais caro que todos os nossos móveis comprados no brejo.

― Isso vai ajudar ― afirma Redmond, depois de puxar um pote fechado do bolso. Pelo som, há vários comprimidos ali. ― Vai diminuir a azia e você vai parar de vomitar. Assim que ingerir, faça uma refeição.

― Obrigada. Obrigada mesmo.

Não estou em posição de desconfiar.

Tem uma jarra de água na cômoda que divido com Brizo. Encho o copo com água e engulo o comprimido como se minha vida estiver dependendo disso. O gosto é... meio cera de ouvido, mas não irei reclamar.

― Tem bife na geladeira. Vou fritar uns para você ― anuncia meu irmão, levantando-se com seu pijama fora do tamanho ideal arrastando no piso.

― O quê? ― Minha surpresa o faz parar no meio do quarto. ― Geladeira? Bife?

― Óleo e fogão elétrico também.

Brizo com certeza quer parecer mais feliz do que aparenta. Acontece que ele continua sendo o meu irmãozinho, a pessoa que se afeta com maior facilidade em casa. Ele se desesperou no Beltane, com a ideia de eu acabar me casando com Conan só para pagarmos a droga de uma multa. Se desesperou com a minha prisão e já ia bolar um plano mirabolante para me ajudar a escapar, e agora se desesperou de novo com meu último retorno. Brizo achou que eu estava morrendo, literalmente, apesar de eu só estar com um enjoo que supera uma dúzia de cólicas menstruais.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora