Capítulo 37 - Um coração liberto

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Há uma sepultura à nossa frente. Ela ganha minha atenção logo que Dian levanta o semblante e fica fronte à lápide. A pedra é bem rústica, dá para ver que foi feita sem nenhum conhecimento artesanal e talhada por força bruta.

― De quem é? ― questiono.

Eu pensava que ele vinha para as passagens somente para se esconder.

― Um cachorro.

Não há flores ou um tratamento especial. As teias de aranha tomam conta de todos os cantos e, de pouco em pouco, irão cobrir toda a sepultura e levar memórias que deduzo serem escassas.

― Minha mãe arranjou um vira-lata por aí, antes de ela partir. ― Dian está falando mais do que o esperado. Deve ser efeito do álcool. ― Disseram que ela deixou o bicho de presente para mim.

― O que aconteceu a ele? ― eu incentivo.

― Dother tinha uns cinco anos quando reclamou que não gostava dos latidos e um dia perdeu a cabeça. ― É surpreendente a forma como Dian se mantém resignado, mesmo que eu tenha percebido a falha na sua respiração. É uma memória difícil de ruminar. ― Eu acabei sendo o culpado, já que o sangue sujou a mim e não a ele. Me chamaram de delinquente. Ninguém quis me arranjar uma pá para enterrá-lo, então eu desisti de procurar pelos jardins e acabei descobrindo que havia uma passagem escondida no meu quarto e que me levava até esse local, onde eu cavei a terra com as mãos e uma colher, que foi o que Bran pôde me dar.

Dother sempre ganha. Dother sempre se inocenta de tudo o que ele faz e todos os idolatram. Todos ainda se dão ao trabalho de se curvarem à sua presença que agora eu detesto.

― Por que nunca me chamou pelo nome? ― A questão sai sem eu querer. Dian mencionar Bran, que é outro criado, me trouxe essa recordação. Eu achei que fosse mera perseguição ou que meu nome é pobre demais para ele proferir.

― Porque você nunca disse qual é ― fala, como se fosse óbvio.

― Bridie.

― Não. Esse não é o verdadeiro.

Ele ameaça virar o rosto de novo e eu faço um som gutural, sem precisar empurrar a sua bochecha para impedi-lo.

― Aisling Maeve. ― Não vejo motivos para esconder. É trivial. ― Não é como se você nunca tivesse lido esse nome nos jornais e assimilado que a assassina do jornal e eu são a mesma pessoa. Você não foi o único a invadir o Beltane.

― Eu sei disso, mas queria ouvir de você. Não sabia que se pronunciava assim.

Pisco umas vezes. O silêncio que se instaura é meio constrangedor, o bastante para eu decidir redirecionar os meus pensamentos.

Enquanto eu descia à passagem secreta para forjar a arma que futuramente findaria a vida do seu pai, Dian vinha para cá para se refugiar à frente de um túmulo. Não somente isso, eu acabo de lembrar que Dian recebeu um presságio de morte no seu aniversário.

Eu sou o seu presságio de morte? Ou são o arco e as flechas? Ou...

― Já que estamos em um impasse, que tal você baixar esse revólver, Aisling?

― Só para largar minha melhor defesa? ― eu retruco.

Devo assumir que é desconcertante ouvir o meu nome vindo dele. Soa mais bonito do que realmente é.

― É melhor desperdiçar sua defesa ou o seu precioso tempo? ― insinua. Tenho que me conter para não espancá-lo de novo. ― Eu tenho todo o tempo do mundo. Meu pai já está morto e, com sorte, só tem vinho me esperando depois que eu sair daqui. Talvez tenha alguém apontando um arco na direção da minha cabeça também. Pode ser que eu pise no salão e encontre Dub do mesmo jeito, com meu irmãozinho dançando em cima do cadáver.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora