Capítulo 28 - Forgerist

3.1K 534 770
                                    

É a primeira vez que não estou morrendo de sono ao atravessar os túneis da passagem secreta. Eu subo pelas escadas de degraus altos, tomando cuidado com o musgo, e bato à porta do porão, esperando que Muirenn ou Muirne abram para mim, como todos os dias. Elas têm que empurrar a beliche para eu conseguir levantar a passagem e abri-la.

Recentemente eu vi o que Muirenn desenha durante o seu horário de descanso. É um rosto masculino, um homem em torno dos quarenta ou cinquenta anos, barba meio mal feita e um olhar mórbido, do tipo cheio de remorsos e que descontou na bebida. É desconfortável olhar por muito tempo para essa imagem e não tenho coragem de perguntar quem é, temo ser invasiva, especialmente por ter visto sem a sua permissão. Prefiro esperar que ela se abra comigo algum dia.

— Boa noite, Bridie. — É a voz de Dother.

Sequer me lembro do que eu estava pensando, ao ver que é o príncipe quem abre o porão e me dá um vislumbre do seu rosto pela fresta. Sabia que ele viria, mas não que seria um encontro tão repentino, sem me dar a chance de escovar os dentes ou tirar essa roupa encardida.

— Te assustei? — pergunta, oferecendo a mão para me ajudar a subir pelos degraus altos.

Eu não sei se a minha mão se move somente por educação. Meu toque é tão incerto que talvez não mude nada.

— Onde estão as duas? — me refiro às minhas colegas de quarto. É estranhamente incomodativo ficar aqui sem elas. Muirenn e Muirne ao menos estão sempre falando e brigando entre si, e ainda me tratam com certo carinho.

— Não faço ideia. — Acho que Dother está sendo honesto. Seria estranho se ele tivesse as dispensado do próprio quarto só para me ver. — Elas disseram que caminhariam após o horário do jantar e ainda não voltaram, mas não precisa se preocupar, isso acontece todo mês, sempre que Shira diz que pagaram a pensão mensal aos familiares.

— Se você diz...

É tão idiota a forma como eu tento disfarçar o meu nervosismo limpando a região das minhas coxas, mesmo que não esteja tão sujo de cinzas quanto já esteve noutras vezes. Não sei mais se consigo agir normalmente perto dele ou o que eu estou tentando provar a Dother. Parece que eu engoli um passarinho e a minha garganta ficou entalada.

Não se trata mais de agir para agradá-lo. Isso é impossível depois que eu basicamente o chamei de mimado e pisoteei em todo o meu lado cortês por uma fúria irresponsável e que poderia ter custado a minha vida.

Dother pigarreia, antes que o silêncio se perpetue e ninguém tenha mais coragem de pronunciar uma palavra.

— Pode me acompanhar?

Já não é a primeira vez que eu me indago sobre questões recusáveis ou não.

— Não posso sair do Bhaile a essa hora e... E eu só posso me lavar de manhã.

E eu não confio em você. Ainda.

— Não há necessidade de levar nada disso em conta. — Dother abana uma mão, afastando a importância do que eu digo. — Traria nada de bom te pedir para acreditar em mim novamente, então dessa vez eu quero te dar motivos para isso.

— Como?

— Se olhe no espelho — propõe Dother.

Esse definitivamente é o pedido mais estranho que alguém já me fez.

É bem difícil pensar nas possibilidades quando eu imagino que vou ver o meu reflexo e, no máximo, talvez descobrir que há poeira preta feito carvão no meu rosto, o que não é exatamente incomum, dependendo do meu nível de atenção no trabalho.

A Forjadora do DesastreOnde histórias criam vida. Descubra agora