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O Suriel era horrível.

Astéria sabia que sonharia com aquele rosto até o fim de seus dias. A face parecia ter sido moldada a partir de ossos secos e desgastados pelo tempo. A pele inexistente ou translúcida. A boca sem lábios e dentes longos demais em gengivas enegrecidas, fendas no lugar de narinas e olhos em redemoinhos de branco leitoso. As vestes eram escuras e finas, fazendo com que o contorno de sua espinha e costelas ficassem a mostra. Os pés nus e retorcidos. Unhas grandes e amareladas.

Parecia que de cabeça para baixo, a criatura ficava mais feia ainda.

Astéria virou um pouco o pescoço para observá-lo. O Suriel permaneceu quieto e calado, suspenso pela corda. A capa caíra de seus longos dedos de pele cinzenta.

- Prometo que se responder minhas perguntas, deixo você ir embora com a capa. - Astéria apontou com o queixo para o tecido retorcido na grama.

- Então pergunte, herdeira de sol e sombras.

Astéria tremeu.

Tremeu com o vocativo, tremeu com a voz única e múltipla da criatura, velha e jovem, linda e grotesca. Tremeu com a facilidade que o Suriel aceitara responder as perguntas.

Ela jamais imaginaria que seria tão fácil assim.

- Sabe quem eu sou? - Perguntou em um murmúrio.

O Suriel abriu o que parecia um sorriso animalesco.

- Seu nome é Astéria.

Assentiu com a cabeça.

- Bem, temos um começo. - Murmurou, sem saber exatamente o que perguntar em seguida.

Ficou mais alguns instantes em silêncio, encarando a criatura a sua frente. Ele a encarava de volta como se mirasse sua alma.

- Você tem tantas perguntas que sequer sabe por onde começar. - O Suriel constatou. Astéria não soube se gostou que ele fosse capaz de lê-la daquela forma.

- Qual é o seu nome?

A criatura soltou um arquejo do tipo que ela não soube identificar.

- Nenhum captor jamais me perguntou isso. - O Suriel murmurara, em uma voz um pouco mais jovem do que velha - Agradeço a gentileza, mas meu nome é escrito em uma língua difícil demais para que sua mente processe, herdeira de sol e sombras.

Outro tremor em Astéria.

- Se sabe meu nome, por que não me chama por ele?

Outro sorriso animalesco do Suriel.

- Muito bem, Astéria. Faça suas perguntas.

Astéria sentiu o peso de sua espada nas costas aumentar subitamente. Sabia por onde devia começar.

- A espada que carrego, é mágica?

- Sim. É mágica.

- Que poderes ela possui?

O Suriel mirou com os olhos leitosos o cabo negro que despontava por cima de seu ombro.

- Poderes de se misturar a magia de seu dono. Poderes de guardar segredos e memórias. Não é qualquer um que pode empunhá-la, herdeira. A espada não foi enviada a você por mera coincidência.

Astéria deu um passo para trás.

- A espada foi enviada a mim? O que isso significa?

Mais um sorriso grotesco.

- Significa o que você já sabe, herdeira: seu mestre ainda está vivo, e clama por sua ajuda.

Astéria jurou que seus joelhos falhariam. Sua garganta fechara com tanta força que a floresta ao redor pareceu sufocar junto com ela.

Herdeira de Sol e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora