Astéria caminhava entre as inúmeras tendas com uma capa negra caída sobre os ombros e o capuz escondendo o rosto. O mercado estava pouco movimentado, visto que era recém início da manhã, mas já havia olhares o suficiente em cima dela.
Não se importava com o calor que fazia, mesmo àquela hora. Tentava não se importar também com o leve tremor que percorria as mãos e o cantar suave do sangue nas veias.
As pessoas não observavam apenas ela, aquela deusa da morte vestida em couro e capa negra, andando entre suas tendas. Observavam também a extensão vívida de poder que caminhava ao seu lado.
Fumaça acompanhava o ritmo dos passos com a cauda levemente erguida e o lombo roçando vez que outra seus tornozelos. Os olhos dourados brilhavam sob o sol escaldante do deserto, e o tom negro de seu pelo que parecia sugar toda a luz ao redor denunciava que aquele não era um gato comum.
As pessoas reparavam nela, reparavam em Fumaça e abriam caminho aos sussurros e olhares cautelosos.
Astéria não se importava. Não quando já possuía um destino certo, ao qual podia mirar perfeitamente agora.
O feérico usava a mesma túnica vermelha de alguns dias, atrás da mesa com exposição de ervas, caldeirões, livros de feitiços, velas e outras bugigangas místicas.
A tenda estava com alguns clientes a frente. Astéria se aproximou com o burburinho de vozes a seguindo. A clientela da tenda pareceu notar a pose ameaçadora de seus ombros e ouvir os sussurros a volta, e imediatamente se dissipou na multidão, afastando-se do comerciante.
Astéria parou em frente à mesa, levando os dedos para um frasco de gloriella. Fumaça roçou em seus pés como se para lembrá-la de que não estava sozinha.
O vendedor franziu o cenho, observando os três clientes que se afastaram rapidamente da deusa da morte encarnada, agora parada em sua tenda.
– Quanto pelo frasco? – Astéria perguntou com a voz rouca. Seu sangue cantava contra os ouvidos, e ela tentava não lhe dar atenção. Tentava também impedir os dedos de tremerem com o formigamento.
– Três moedas de ouro. – O comerciante respondeu, fechando os lábios em uma linha fina enquanto a observava de cima abaixo.
Astéria sorriu, sabendo que por baixo do capuz apenas a boca estava visível.
– Um pouco caro para gloriella, não?
– É o preço, senhorita. – Ele retrucou impaciente, pulando os olhos dela para as pessoas a volta que continuavam encarando.
– É mesmo? – Astéria ronronou, ainda sorrindo. Seu gato iniciou o próprio ronronar aos seus pés, e em um piscar de olhos, Fumaça pulou para cima da mesa.
O vendedor piscou, indignado, conforme Fumaça erguia a cauda e se colocava a passear pelo tampo de madeira, tomando cuidado para não pisar em nenhuma mercadoria – mas o focinho descia em direção a algumas coisas, cheirando-as.
– De onde você surgiu? – Ele franziu o cenho, aproximando-se – Desça! Saia já daí! – Exasperou as mãos no ar, tentando espantar o gato negro, que o encarou em uma expressão de tédio e sentou-se entre um caldeirão de ferro e um cálice de prata, ignorando sua ordem.
– Você vende algum veneno raro? – Perguntou baixinho.
O comerciante tirou os olhos do gato, com a boca entreaberta em insulto por aquele animal rafeiro sentado tranquilamente entre sua mercadoria, e a respondeu em um tom ignorante:
– Não, não vendo. Este vira-lata é seu?
O sorriso de Astéria se alargou. Fumaça aumentou o ronronado, como se também se divertisse com a cena. A cauda do gato negro estalou em cima da mesa como um chicote.
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Herdeira de Sol e Sombras
RomantizmAstéria venceu a guerra de Hybern como imediata e comandante do Grão-Senhor da Corte Diurna. Agora, precisava vencer a guerra de sol e sombras dentro de si. Todos os dias ela tentava domar o mar revolto de trevas em que seu coração submergiu após os...