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Astéria encarava o vazio da penumbra, encolhida no canto da cela. As costas em atrito com a parede áspera e fria. A blusa encardida e ensanguentada na lateral da cintura, pelo corte feito com a faca longa algumas horas antes.

Kayn se abaixou a sua frente com dificuldade, ofegando entre os dentes pelas costelas quebradas – que os guardas faziam questão de não deixar que se curassem, quebrando-as novamente toda vez que o irmão parecia ter melhorado.

– Precisa comer. – Kayn murmurou com a voz rouca, oferecendo-lhe com a mão suja um pedaço de pão dormido.

– Não sinto fome. – Astéria respondeu em um sussurro.

– Mas você precisa, meu sol. – Kayn ergueu novamente o pão – Irá se curar mais rápido se comer.

O lábio de Astéria tremeu, enquanto a sensação sufocante apertava no peito e o estômago se revirava.

– De que adianta? De que adianta se daqui algumas horas eles irão me esfaquear de novo? – O tom de voz dela aumentara gradualmente.

– Shh! Mais baixo, Astéria, ou eles irão nos ouvir. – Kayn sussurrou, apertando o ombro dela.

Um soluço cortou sua garganta.

– Não ligo, Kayn. Não fará diferença se ouçam ou não. Eles virão novamente em algumas horas, e caso eu não esteja completamente curada do corte no quadril, chamarão os curandeiros para que me remendem e então farão tudo de novo. Não faz a menor diferença!

O corpo dela tremia. Os dentes rangiam violentamente uns contra os outros, enquanto a pele suava frio. Astéria estava febril.

Kayn atirou o pão contra a parede e agarrou seu rosto entre as mãos, colando sua testa na dela.

– Lembre-se do que juramos, Astéria. – Ela sabia que o irmão fechara os olhos para sussurrar aquilo – Respire. Apenas respire! Um dia, nós cortaremos todas as gargantas. Por enquanto, eu preciso que respire!

Astéria arquejou de novo, agarrando os pulsos dele na lateral de seu rosto como se a vida dela dependesse daquilo. A testa pressionada com força contra a do irmão.

– Não aguento mais, Kayn. Não aguento. Não aguento. Quero morrer. Por favor, quero morrer.

– Eu sei, meu sol. Eu sei! Mas eu estou aqui com você. Sempre estarei. Não é o fim para nós dois. Não morreremos nesse lugar. Preciso que você respire! Lembre-se da luz do sol aquecendo sua pele. Lembre-se do cheiro do verão. Lembre-se daquela luz que você carrega em seu peito.

E assim ele seguiu, ajudando a controlar a crise de pânico para que não se alastrasse por ela. E quando Kayn era o dono do choro inconsolável e do desespero, era Astéria quem o mandava respirar e sussurrava as promessas de que um dia cortariam as gargantas de todos aqueles carcereiros; um dia veriam a luz do sol de novo; um dia sairiam daquele lugar. Não morreriam ali.

Kayn se ajeitou ao lado dela, puxando-a com dificuldade para que se sentasse entre suas pernas. Astéria se aninhou, cuidando para não colocar o peso do próprio corpo contra as costelas quebradas no lado esquerdo do peito do irmão.

Mesmo com dor, mesmo ofegante, ele a abraçou como se sua vida dependesse daquilo. Ele a ninou como uma criança que precisava ser ninada. Ele lhe acariciou os cabelos e lhe secou as lágrimas, dando beijos em sua testa febril e nos cabelos sujos e emaranhados. Ele colocou a mão no corte semiaberto na cintura de Astéria e deu tudo de si para tentar conjurar o poder de luz, afim de curá-la, e suspirou frustrado quando não conseguira.

Herdeira de Sol e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora