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O barulho nas arquibancadas era ensurdecedor. Ou talvez fosse apenas o rugido do sangue que borbulhava em seus ouvidos com adrenalina. 

Astéria não conseguia mirar direito um grão de areia sequer em sua frente. As mãos tremiam e suavam.

Sentiu cada gota do veneno descer em seu sangue, misturar-se em seus órgãos e saudar a concentração antiga do acônito em suas veias.

E quando veneno novo e antigo se chocaram, os joelhos de Astéria falharam e ela caiu na areia mais uma vez.

Ela queimou por dentro. O macho do outro lado da arena se aproximava com o sorriso escancarado, provavelmente já cantando vitória a si mesmo.

Astéria respirou fundo uma vez. Então duas, então três. Fechou os olhos e clamou pelas sombras dentro de si, por aquele poder que não podia ser aprisionado. As sombras imediatamente responderam.

Nem ela. Não seria aprisionada. Não de novo.

Astéria mordeu os lábios, conforme sentia os segundos finais do veneno se misturando e achando lugar em suas veias, e então, sua visão clareou.

O sangue parou de borbulhar.

E as sombras continuavam percorrendo livres dentro de si, querendo jorrar para fora e percorrer seu corpo. Pela primeira vez, Astéria sentiu que se ela deixasse, as sombras viriam em filetes escuros, e não na forma de seu gato.

Astéria sorriu de cabeça baixa. O veneno não a dobraria de novo como a dobrara por tantos anos. Não quando Astéria era praticamente feita dele. Já não surtia mais o mesmo efeito que deveria surtir.

Ela respirou fundo pela quarta vez, e lentamente se colocou de pé. Mas forçou as mãos a tremerem. Forçou o corpo a parecer falhar, para que o macho a frente continuasse achando que tinha vantagem sobre ela.

O macho caminhava devagar em sua direção, exibindo-se aos compradores.

Astéria ergueu a espada que haviam dado para ela, assumindo uma expressão de medo no rosto, e observou novamente o macho.

Ele era grotesco, para se dizer o mínimo. Os cabelos castanhos desgrenhados estavam cortados rente à cabeça. Havia cicatrizes por todo lado – sobrancelha, testa, bochecha, lábios, pescoço, braços, mãos... Os olhos também castanhos brilhavam em selvageria, e o sorriso era composto de dentes brancos e afiados.

O macho molhou os lábios com a ponta da língua, como se pudesse sentir o gosto de Astéria neles. Ela não conteve o estremecer de nojo, ainda operando o papel de assustada e fraca. Aquilo pareceu fazer os olhos castanhos brilharem mais ainda.

– Vou gostar de provar seu sangue. – Foi o que ele murmurou com a voz grave, e Astéria ouviu apenas graças a audição feérica.

Então o macho girou a espada no punho, e correu os metros restantes entre eles.

Astéria cravou os pés no chão, firmou as mãos na espada e parou o primeiro golpe do macho, deixando-se ser empurrada minimamente para trás. Ela abaixou a espada e cambaleou, afastando-se dele. O macho sorriu e cortou o ar, mas Astéria desviou de sua investida.

As espadas dos dois zuniam, chocando-se uma contra a outra, e o macho avançava, forçando-a a cambalear para trás. Astéria percebeu pelo sorriso cada vez mais aberto do feérico que ele parecia estar se divertindo, brincando com ela.

Astéria continuava cambaleando, fingindo erguer a espada com dificuldade, causando risos no macho a frente que investia com brutalidade. Ser obrigava a manter uma expressão assustada no rosto, mesmo enquanto seu corpo fluía com facilidade para desviar da espada inimiga.

Herdeira de Sol e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora