1

3.3K 345 1K
                                    

  Astéria acordou gritando.

  A camisola e os lençóis empapados de suor, o coração palpitando forte demais no peito. Passou os dedos longos pelos cabelos negros afastando os fios da nuca molhada.

  Sempre as mesmas malditas lembranças!

  Respirou fundo uma vez, então duas, conforme observava o tremeluzir suave das velas espalhadas por todo o quarto. Não estava mais no escuro, era o que tentava dizer a si mesma todas as noites com todas aquelas malditas velas. Qualquer dia ainda iria colocar fogo no quarto e o tio lhe chutaria porta a fora.

  Jogou as pernas magras demais para o chão e caminhou trêmula até as cortinas abertas de sua varanda, que faziam um vai e vem preguiçoso com a brisa da primavera recém chegada.

  Respirou fundo uma terceira vez, tentando aquietar a mente de suas piores lembranças. Não estava mais no escuro! Mas o peito doía, consumido pela ansiedade e a falta de ar. O medo deixando um gosto amargo em sua língua.

  Não teria coragem de tentar pegar no sono de novo e se submeter ao que seu inconsciente fazia consigo mesma, torturando-a com memórias em forma de pesadelos. Então, ela apenas ficou ali parada. As cortinas eram um carinho silencioso em seus tornozelos descalços. Astéria observou a última estrela sumir no céu. Observou a escuridão da noite ceder lugar ao roxo hematoma da aurora, depois ao rosa claro dos primeiros raios e por fim, o sol despontar ao longe nas planícies.

  Respirou fundo uma última vez.

  Não tinha vontade de recomeçar o dia. De aderir suas tarefas como imediata do Grão-Senhor, de tentar se manter ocupada para que a mente vazia e silenciosa não se tornasse um mar revolto, de fingir conversas agradáveis e animadas ou ainda debochadas e irônicas. Não tinha forças para nenhuma daquelas coisas, mas precisava tentar. Não fora a única que sofrera, assim como não era a única que estava tentando.

  Então, por aquelas pessoas que ainda lutavam; pelo tio, que se apoiava nela tanto quanto ela se apoiava nele; por seu povo, que se reinventava aos poucos, dia após dia; por aqueles que ela amava mais do que a si mesma, aqueles que ela não podia e não ousaria esquecer...

  Astéria tomou um banho frio e vestiu suas roupas para tentar enfrentar mais um dia de sua miserável vida.

*

  O palácio estava simplesmente um caos! E ainda não era nem meio dia.

  Criados lavavam escadas e corredores, corriam de um lado para o outro carregando cortinas e tapetes e lençóis e cobertores. Guardas se posicionavam e reposicionavam a cada esquina.

  Astéria passou por tudo aquilo com o cenho franzido e na ponta dos pés, cuidando para não cair de cara em nenhum piso ainda molhado - como quase havia feito na saída de seu quarto. Pelo menos, os guardas de sua ala fizeram o favor de gargalhar da cena só depois que ela já havia virado o corredor. Se sentiu tentada a dar meia volta apenas para socá-los um por um até que acabassem as risadinhas, mas preferiu continuar seu caminho até o escritório do tio.

  Parou em frente a porta de carvalho pintada de branco, deu duas batidas breves e esperou. Graças a Mãe, a resposta veio imediatamente do outro lado com um solene "entre".

  – Posso saber o que diabos está acontecendo nesse palácio? Eu nem tomei café da manhã ainda! - Murmurou irritada, à guisa de cumprimentos.

  A risada do macho veio profunda. Aparentemente, ele era a única pessoa no universo que achava o seu mau humor matinal algo adoravelmente divertido.

  – Esqueceu que dia é hoje, querida?

  – Eu deveria não ter esquecido? - Astéria se jogou em uma das cadeiras em frente à mesa de forma desleixada, franzindo a testa.

Herdeira de Sol e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora