Capítulo 3

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- Bem vindo de volta.

Meus olhos encontram Moira, sentada ao meu lado. Ela tem olheiras profundas debaixo dos seus olhos, e nem a maquiagem pesada foi capaz de cobrir.

- Porque? – pergunto a ela.

- Á que você se refere, querido? – ela pergunta gentilmente. O que me desperta uma certa raiva.

- Porque você não me deixou morrer? – grito. – Porque você fica me chamando de querido? Porque Cinna está apodrecendo num porão? Porque eu não me lembro qual é a cor dos olhos de Katniss? Porque Moira?

Paro de falar, ainda ofegando. Sinto lágrimas em meus olhos.

- Me desculpe – Moira diz após algum tempo. - Se eu não tivesse esquecido a porta aberta, você nunca teria descoberto sobre Cinna.

Olho para ela perplexo. Ela sabia o tempo todo? Mas, eu não entendo. Ela parece ser uma pessoa... boa. Ela percebe minha expressão, e seu rosto ruboriza.

- Escute, Peeta. Eu sei que é terrível – ela sussurra. – Mas não há nada que eu possa fazer, ok? Apenas pare de me olhar deste jeito.

Engulo em seco. Sei que ela está certa. Mas, conviver com estas coisas, sem ao menos tentar fazer nada...

- Ele ainda está vivo? – pergunto.

- Eu não sei. Mas acho que sim – ela responde, pegando um frasco de seu bolso. – Tome seu remédio.

Hesito.

- Moira. Para que serve este remédio? Por favor, me diga.

- É para você se sentir melhor – ela diz, mas sua voz falha.

- Eu não me sinto nem um pouco melhor – retruco, enquanto meus olhos marejam novamente. – Na verdade, eu me sinto péssimo. Como eu posso ter simplesmente esquecido a cor dos olhos de Katniss? Você tem alguma resposta científica para isso? Hein?

Percebo que estou gritando. Dois homens aparecem na porta do quarto. Moira treme.

- Acho que vocês podem leva-lo de volta, para o quarto 612 – ela diz, me olhando intensamente. Em seguida, coloca um comprimido em minha boca, e se certifica de que ele foi engolido. O estupor é imediato.

Quando sou deixado em meu quarto, me sento na cama, pensando numa maneira de acabar com isso que se tornou minha vida. Moira me analisa, em silêncio. Ela vai até o banheiro, e depois anda apressadamente até a porta.

- Eu vou me arrepender muito disto – ela diz, fitando o chão. – Mas... Talvez Cinna saiba.

Seus passos ecoam pelo corredor, quando ela se vai. Me pergunto o que ela quis dizer com isso. Curioso, vou até o banheiro, e para meu espanto, dentro do armário onde antes ficavam meus remédios, há uma pequena chave. Talvez Cinna saiba. É claro que Cinna sabe. A cor dos olhos de Katniss.

Como era de se esperar, a chave é a da porta do meu quarto. Saio, e a tranco por fora. Praticamente corro pelo corredor. Começo a descer a escada, sem nem me lembrar onde de fato Cinna estava. Sigo apenas meu instinto, e meu desejo insano de lembrar a cor dos olhos de Katniss. Mais tarde preciso pensar numa forma de tirar Cinna daqui. Afinal, eu ainda estou vivo.

Fico cerca de uma hora, procurando o quarto sem número no final do corredor. Estou totalmente perdido, mas não me importo. Preciso apenas achar Cinna, me certificar de que ele esteja vivo, e obter a resposta que eu tanto preciso. Mas, quando eu finalmente localizo o quarto, meu corpo todo gela. A porta está aberta, a cama fora do lugar e o alçapão aberto. Eu poderia apenas ter deixado assim, quando saí daqui. Mas não posso me convencer disto, quando escuto um grito agudo vindo lá debaixo, seguido por uma risada. Tem mais alguém aqui. Desço a escada, tentando fazer o mínimo barulho possível. Avisto dois pacificadores, com chicotes nas mãos. Cinna, está encolhido no chão.

- Cansou de ser rebelde? Vamos logo, diga o que você sabe – um dos pacificadores grita.

- Eu não... eu não sei... de nada – Cinna fala, fracamente.

- Não? Ora que pena. Vamos ter que interrogar o garoto, e ver o que ele sabe.  E você conhece bem nossos modos de interrogatório – o pacificador mais alto diz, e gargalha.

Cinna se encolhe ainda mais no chão.

- Deixem Peeta em paz – Cinna grunhi. – Ele não sabe... de nada – ele diz, e começa a tossir.

- Não é isso o que o presidente Snow pensa. Thread, vamos acabar logo com isso.

Esse nome me soa familiar. Mas não tenho tempo de pensar sobre isso, quando os dois homens partem para cima de Cinna, o chicoteando repetidas vezes. Os gritos de Cinna fazem meus pelos se arrepiarem. Nunca senti tanto pavor como agora. Eu simplesmente tenho que fazer alguma coisa. Então, eu corro até Cinna.

- Parem – grito, me colocando entre Cinna e eles. – Não ousem tocar nele.

Tento não demonstrar meu medo, enquanto minhas pernas tremem ligeiramente.

Os homens se olham. E depois me encaram.

- Não seja por isso, matamos você também – o mais alto diz, e lança seu chicote sobre mim. A dor não se compara a qualquer ferimento que eu tenha sofrido na arena. Pois, dói demais, e queima. Os ganchos na ponta do chicote se enfiam em minha pele, rasgando-a profundamente. Mas eu não me importo. Sinto até um alívio, por saber que finalmente poderei morrer. Mesmo que seja desta maneira dolorosa. O outro pacificador fica alarmado.

- Pare Thread. Não podemos machuca-lo agora, o presidente acha que ele pode ser útil – o outro pacificador protesta.

Thread reflete por um momento. Em seguida sorri.

- Certo – ele diz. – Segure ele.

O homem obedece, e segura meus dois braços.

- Isto, garoto, é especialmente para você – Thread diz, e olha para Cinna.

Sem piedade, ele chicoteia Cinna, como um animal. Eu grito até minha garganta doer. Eu tento me soltar do aperto do outro pacificador, sem sucesso. Pedaços de pele do corpo de Cinna voam para longe, enquanto o chicote de Thread o rasga por inteiro. Eu fecho os olhos, incapaz de continuar assistindo a isto. Cinna não grita mais. O pacificador me solta. Minha visão está totalmente embaçada pela torrente de lágrimas que escorrem por meus olhos. Thread se afasta, coberto de respingos de sangue.

- Sua hora ainda vai chegar – ele diz, e vai para a escada, juntamente com o outro pacificador.

Sou deixado sozinho, ajoelhado ao lado da massa de carne que se tornou o corpo de Cinna. Seus olhos ainda estão abertos. Seu rosto se contorce numa careta de agonia. E eu não consigo parar de chorar por presenciar algo tão terrível como isso. Seguro forte a mão de Cinna.

- Vai ficar tudo bem – soluço. – Eu vou te tirar daqui. Você vai ver. Todo esse sofrimento vai acabar.

A alguns metros vejo uma jarra de agua, e uma tigela. A tortura contínua. Isso só faz com que eu chore ainda mais.

- Vai ficar tudo bem... Eu prometo – digo, sem parar.

Os olhos de Cinna se fecham. Ele não pode morrer. Eu não posso permitir que isso aconteça.

- Vai ficar tudo bem Cinna. Apenas fique comigo – balbucio em meio as lágrimas. – Eu vou me lembrar da cor dos olhos de Katniss. Você vai viver. Tudo vai ficar bem novamente.

Eu sinto a vida se esvaindo do corpo dele. Ao mesmo tempo, me sinto de mãos atadas para impedir que isso aconteça. Como num ultimo sopro de vida, Cinna abre seus olhos, e olha bem dentro dos meus.

- Os olhos dela... são... – ele sussurra.


E sua frase não terminada fica pairando no ar. Quase posso ouvir o tiro de um canhão. Cinna se foi.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora