Capítulo 14

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Ellean. É o nome da médica designada para tratar de mim. Como se eu tivesse algum problema. Tenho muitas dores ainda. Por todo o meu corpo. E lembranças dolorosas do que fui submetido a aguentar na capital. Percebo que estou cerrando os pulsos ao lembrar que tudo o que sofri, foi culpa de Katniss. Tento relaxar meus músculos, porem as amarras atadas a eles, me repudiam. Sou um prisioneiro aqui também. Eles nunca mais me deixaram ver Katniss. Eu tinha que ter matado ela quando tive a oportunidade. Meus dias assumem uma rotina que me deixa exasperado. Eu acordo grogue pelo efeito dos soníferos. Ellean, é uma mulher alta, de pele pálida e extremamente magra e aparentemente nova. Ela me examina todas as manhãs, anota coisas em sua prancheta, e se vai. Sinto falta de Moira. Pois ela sorria para mim. Passam-se horas, até que alguém apareça para me dar um pouco de comida. Todo o dia, vem uma pessoa diferente, e elas parecem cada vez mais assustadas. Se quero ir ao banheiro, eu tenho apenas que dizer em voz alta, que homens armados aparecem para me escoltar até um cubículo ao lado. Porém meus braços e pernas permanecem amarrados. Ellean me dá banho algumas vezes. E reaparece sempre no final da tarde, movimenta meu corpo, percebendo minhas expressões de dores com determinados movimentos. Ela injeta vários remédios em minhas veias. Eu fico sonolento, e adormeço. Sem sonhos. Sem nem ao menos jantar. Mas fome, frio, sede, ou calor, são coisas que eu não sinto. Sinto apenas ódio. De Katniss. E o desejo de vingança.

Neste momento, calculo que alguém está prestes a entrar para dar meu regado almoço. E logo, escuto a porta abrir. Espero até que a pessoa venha até mim, e estou preparado para a expressão de pavor que verei. Mas para a minha surpresa, encontro um sorriso. Delly.

- Finalmente consegui convencê-los de que sou capaz de te dar comida – ela diz, e se senta na beirada da minha cama. Ficar tão próximo assim de alguém, que não seja Ellean, é estranho. Me encolho um pouco. Delly parece não perceber. Ela está observando as amarras que me prendem, e parece realmente compadecida.

A comida é quase sempre a mesma. Sopas, cozidos, pães secos, as vezes um pudim de sobras... Estou me acostumando. Não é como se eu tivesse sempre comido bem. Relembro, saudoso, das refeições em minha casa, não pela comida, mas pela companhia de minha família. E por mais que eu me sentia rejeitado na maior parte do tempo, eles eram de verdade. Não mentiam para mim. Não me usaram. Começo a sentir a raiva repugnante de Katniss me invadir, e tento afastar estes pensamentos.

Delly começa a me dar a sopa, lentamente, e sua expressão, revela um prazer imenso.

- Peeta... Você se lembra do que aconteceu, na noite em que anunciaram que os vencedores iriam para o massacre? – ela pergunta de repente, quase num sussurro.

Eu me lembro. Lembro de ter quase enlouquecido com a perspectiva de que Katniss iria para a arena novamente. Eu me lembro de ter sofrido tudo o possível por causa de uma droga de mutação, que queria todo esse tempo acabar comigo. Acabar com todos. Também me lembro, das palavras de Delly na mesma noite, de seu amor por mim.

- Você sabe... eu amo você Peeta. E quero te ajudar a sair disso. Quero que você volte para nós. Quero que você se lembre, quem Katniss realmente é.

A raiva é enorme agora, e eu não posso conter.

- Eu sei quem ela é – grito. – E se você soubesse, estaria tentando achar uma maneira de matá-la, antes que aquela merda de mutação mate a todos nós.

Os pelos do braço de Delly se arrepiam. Ela morde o lábio inferior, e percebo seus olhos marejados. Trêmula, ela me serve um copo de agua, e quando eu termino de beber, ela fica me encarando. Sinto uma vontade insana, de esmurrar qualquer coisa, qualquer pessoa, para aliviar esse peso, que todo esse ódio me traz. Eu só serei feliz novamente, quando o corpo de Katniss estiver enterrado sob meus pés. – Não importa... – Delly murmura, e se levanta. – Não importa se te transformaram nisso. Eu ainda vou te amar. Para sempre.

Ela caminha em direção a porta, relutante. Esperando algo de mim. Algo que eu nunca poderei dar. Reciprocidade.

- Delly... Eu nem faço mais ideia, do que seja esta coisa de amor – digo, e preenchendo o silencio, há o barulho da porta se abrindo, e os soluços de Delly, que só ficam inaudíveis quando a porta é fechada novamente.

Um grito abafado preenche minha garganta, e eu o deixo sair. Grito, até minha garganta doer, grito de frustração, por estar aqui, amarrado como um criminoso, quando Katniss, o real monstro está solto, fazendo a única coisa que sabe fazer. Destruindo pessoas.

Delly não voltou mais. E agora, tenho permissão para me alimentar sozinho. A comida é deixada em cima da minha cama. Dois homens fortes, e bem armados me vigiam enquanto como. Um desata meus pulsos enquanto o outro, mira em minha cabeça uma arma. Qualquer movimento brusco meu, e eu irei morrer sem ao menos ter visto Katniss pagar por tudo o que fez. Ellean tem aumentado a dose de sedativos que me dá, o que torna mais lento o processo de lembrar onde estou, e o porquê, todas as manhãs.

........

Acordo desorientado. E com uma vontade avassaladora, de pintar chamas. Pintar o fogo, queimando, suas cores alaranjadas, vermelhas. Visualizo uma garota, em meio ao fogo, as chamas lhe engolfando. Então olho ao redor, e as coisas vão chegando até mim. Os jogos, a capital, os rebeldes. E Katniss. A dor de lembrar o que ela de fato é, logo se dissipa em raiva. Cerro os dentes. Percebo que há uma espécie de monitor a minha frente. Pisco atônito, quando uma luz se acende e uma imagem minha e de Katniss preenche a tela. Estamos numa caverna. Numa arena. Minha perna, tem um corte terrível. Cortesia de Katniss, executada por Cato. Ela está me contando algo, sobre uma negociação. Uma cabra para sua irmã. Na filmagem eu a olho de um jeito tão... diferente.

- Eu não quero ver isto – grito. – Desliguem... Desliguem...

Começo a gritar cada vez mais alto. Mas nada acontece. Então eu fecho os olhos, e continuo gritando.

Estou ciente de uma agulha em minha veia. Abro os olhos, e vejo Ellean, com uma expressão impassível me encarar. Meus músculos relaxam. Olho para a tela. E... Katniss está, com os lábios nos meus. Sinto uma ânsia subindo por meu estomago. Isso é mentira. Parece tão verdadeiro, mas são apenas imagens, e eu não serei manipulado. Fito a tela, incapaz de desviar meu olhar. De repente parece que tudo ao meu redor parou. A ânsia diminui, aos poucos. Estou ciente de mais agulhas em minhas veias. Não tento lutar, apenas me deixo afundar na escuridão, tão familiar para mim, sentindo, meus lábios formigarem, pela lembrança conturbada do calor dos lábios de Katniss nos meus. E é reconfortante, quase esquecer o verdadeiro monstro que ela é. Ainda mais reconfortante, quase acreditar que houve um dia algo entre nós, e que talvez tenha sido real.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora