Capítulo 38

2.7K 260 71
                                    

A primeira a se pronunciar é Johanna.

- Mas que diabos você tem pra falar com aquela doida? – ela pergunta, falando lentamente como se eu tivesse algum problema mental.

- Eu só preciso... – começo, mas decido não revelar minhas reais intenções. – Se ela estiver aqui, apenas chame ela.

Me pergunto onde eu devo estar, sei que é um hospital, mas o lugar em si... Soa como algo da capital. As coisas muito brancas, os aparelhos diferentes, inusitados, sofisticados. Com certeza estou na capital. O bip do monitor acelera.

- Chamem ela, por favor – Haymitch diz. E apesar de seu estado desgrenhado, e aparentemente embriagado as pessoas obedecem á ele. Delly, Carolynn e Johanna se retiram afim de achar Annie, me deixando sozinho com Haymitch, que é algo que eu desejava.

- Haymitch, não quero que contem á ela – disparo.

Ele olha para os lados, retira uma garrafa do bolso e dá um longo gole, antes de falar.

- Contar a ela exatamente o que? Não, não me diga, pois eu sei o que é. Você não quer que eu conte que você está nesse estado por salvar a vida dela. Acertei?

- É isso mesmo. Não quero que ela sinta pena de mim. Ou que ela sinta que deva alguma coisa a mim, pelo que fiz por ela – digo.

- Você não pode ser deste mundo, garoto – ele murmura. – Mas se é assim que você quer, Katniss não saberá de nada.

Suspiro.

- Obrigado Haymitch. Agora me conte, o que está acontecendo, agora que a guerra acabou?

Então ele me informa que Snow está preso, aguardando sua execução que será feita por Katniss. Da nossa esquadra sobreviveram Cressida e Pollux que estão fazendo filmagens em todos os distritos mostrando qual a reação das pessoas com o fim da tirania de Snow, Gale está no distrito 2 onde ainda há alguma pequena resistência, mas que pode ser facilmente controlada. E claro, Katniss, que está na unidade de queimados assim como eu. Seu rosto foi poupado das chamas o que me faz quase chorar de alivio, mas ela não disse uma palavra desde o momento em que acordou.

- Estamos todos preocupados com ela – Haymitch acrescenta – Mas o Dr. que está no caso dela, diz que não é um trauma físico, é psicológico e irá passar.

- Pudera, ela viu a irmã morrer. Na verdade ela teve que matar muita gente e ver muita gente morrer, mas Prim... Prim foi a causa disso tudo, foi por quem Katniss se voluntariou, e tudo o que ela passou para ver Prim morrendo perante seus olhos.... – desabafo, mas paro, incapaz de continuar. Nesse instante há uma suave batida na porta e eu repasso mentalmente tudo o que eu devo falar a Annie . Tudo o que Finnick gostaria que eu falasse á ela.

- Se você puder me dar licença – digo, olhando culpado para Haymitch. Não é que eu esteja escondendo algo dele, mas essa é uma promessa que fiz a Finnick, cabe apenas a mim cumpri-la.

- Claro – Haymitch responde dando de ombros – Vou falar para ela entrar.

Penso que estou preparado para esta conversa, mas todas as minhas barreiras caem, quando vejo Annie. Seus cabelos ainda mais longos, balançando como se tivessem vida própria, seu rosto apesar de abatido, continua lindo, mas não é nada disso que me faz esmorecer. É o contorno de sua barriga, e sua mão pousada delicadamente ali, que faz com que eu fique sem palavras, e com um nó na garganta.

- Annie – sussurro. – Eu não... Eu não sabia...

- Eu também não – ela sussurra, e quando levanta a cabeça para me encarar, seus olhos se arregalam.

Penso que ela pode sair correndo, ou começar a gritar, mas o que ela faz me deixa ainda mais surpreso. Ela se aproxima de mim, e toca meu rosto, passa seus dedos suavemente sobre meus retalhos de pele. Ela parece quase fascinada.

- Dói? – ela pergunta.

- Sim. Depende, mas na maior parte do tempo dói sim – respondo, cauteloso.

Ela continua a acariciar meu rosto, depois passa para meus braços, minhas mãos.

- Sabe, é assim que eu me sinto – ela murmura e grossas lágrimas começam a rolar de seu rosto. – Meu coração, minha alma, estão dilacerados. Mas essa criança dentro de mim, parece ter costurado as partes abertas, juntado. Mas ainda dói. A maior parte do tempo.

- Annie, eu sei como é difícil. Finnick era um grande amigo para mim, por mais que eu não demonstrasse isso. Mas você precisa ser forte. Ele não ia esperar nada menos que isso de você.

- Como eu posso suportar, Peeta? Como eu posso levantar todos os dias sabendo que eu nunca mais o verei? – ela começa a gritar, e se agitar e suportando toda a dor que sinto em meu corpo, eu consigo alcançar sua mão.

- Pense que ele sempre estará com você. Com nós. Aqui. – digo, e levo sua mão ao meu peito.

- Você acha mesmo isso? – ela pergunta, seu rosto molhado por lágrimas.

- Eu não acho, eu tenho certeza – digo e sorrio.

Ficamos em silencio. Uma de suas mãos está sobre sua barriga, a outra ainda em meu peito.

- Ele sofreu? – ela pergunta, num sussurro quase inaudível.

Eu sei do que ela está falando. Relembro os gritos de angústia e dor de Finnick. Relembro aquelas criaturas, horripilantes, tirando a vida dele. Seguro as lágrimas, o máximo que posso.

- Não – minto.

Ela sorri de lado, e me dá um beijo na testa antes de sair do quarto, com a graciosidade que só alguém carregando uma vida dentro de si poderia ter. Assim que a porta se fecha, eu deixo as lágrimas virem. Choro, incontrolavelmente. Meses de dor, mortes e traumas, escorrendo por minha face. O bip começa a acelerar cada vez mais, enfermeiras entram correndo, e administram o que tem sido minha válvula de escape de todo esse sofrimento. Morfina. Logo uma sonolência me invade, as lágrimas ainda por meu rosto. Posso ouvir a voz de Finnick em meio ao mar de vozes que ecoam em minha mente. "Vai ficar tudo bem", ele me diz. Eu quero acreditar, mas é difícil, quando o futuro é construído sob milhares de corpos.

Um fio de todo aquele ódio que um dia eu senti, parece ganhar vida dentro de mim. Será que mais alguém além de mim, consegue enxergar que nunca seremos os mesmos novamente? Meu nome é Peeta Mellark. Tenho 17 anos. Eu amo katniss Everdeen. Participei dos jogos duas vezes, mas sobrevivi. Minha família está morta. O distrito 12 não existe mais. Fui pego, torturado e telessequestrado pela Capital. Tentei matar a garota que amo. Participei da guerra contra a capital. Vi muitas pessoas queridas morrerem. A guerra acabou. Panem está livre. Eu amo Katniss Everdeen.

Após essa retrospectiva, afim de manter minha lucidez, percebo que tudo mudou em minha vida. Menos uma coisa. Menos o amor que eu sinto por Katniss. E com certa tristeza, sei que isso é algo que nunca irá mudar. Adormeço.

5

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora