Capítulo 28

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Por um momento eu enxergo as coisas como se estivesse fora do meu próprio corpo. Uma onda negra cobrindo a rua e prédios atrás de mim. O cheiro de carne queimada. O sangue de Boggs em minhas roupas. Gritos, tiros, tudo se mistura num barulho ensurdecedor. Olho para a arma em minhas mãos, começo a sentir a pulsação acelerada do sangue em minhas veias. Eu sei o que tenho que fazer. Me levanto lentamente, uma dor que ultrapassa todos os limites toma posse de mim. Cambaleante, me forço a andar, até que eu a vejo, a poucos metros de mim. Um vigor novo toma conta do meu corpo, e ignorando a dor ando a passos firmes atrás do meu alvo. Finalmente, eu vou matar Katniss Everdeen. Não vejo mais nada, vejo apenas a sua bela silhueta, se aproximando cada vez mais de mim, a medida que avanço. Minhas veias queimam como fogo, conforme vou me aproximando. E quando nada nos separa, eu a puxo para trás e me deleito com o barulho da sua cabeça se chocando contra os paralelepípedos coloridos. Chegou a hora. Minhas mãos tremem de excitação, enquanto ergo minha arma, com uma direção certa. Irei esmagar seu crânio, até não restar nada desse rosto encantador. O choque e medo em seu rosto, por algum motivo me desconcerta, me fazendo demorar um segundo a mais, dando tempo para ela rolar e escapar do golpe, que seria fatal. Pisco aturdido, quando minha arma acerta nada além das pedras, mas não posso desistir agora. Olho para o caos ao meu redor, tiros, explosões, o que restou do corpo de Boggs.... Não consigo mais suportar, e tudo isso vai ter fim, quando ela morrer. Avanço, rapidamente para ela, que está se arrastando no chão, fugindo de mim. Quando de repente alguém me empurra, fazendo eu me desiquilibrar e cair no chão. Mitchell. Se mais uma pessoa tiver que morrer para alcançarmos a paz, não me importarei em fazer isso. Me levanto, e dou um chute na barriga de Mitchell, o lançando longe. Estou prestes a correr novamente até Katniss quando um tremor chama minha atenção. E onde Mitchell está caído, vejo uma espécie de rede se elevando, e o prendendo. Sangue verte do seu corpo instantaneamente. Estremeço ao ver farpas, se enfiando em sua pele. Olho para meu próprio corpo, e vejo pelo rasgo em minha calça, as marcas dos ganchos que foram enfiados em minha pele, na capital. Cicatrizes, que ficarão para sempre em mim, como um lembrete de tudo o que Katniss me fez passar. A rede parece ir se apertando em volta do corpo de Mitchell. Balanço a cabeça e procuro em que direção Katniss foi. Essa pode ser minha última chance. Eles irão me matar de qualquer forma. Pego minha arma, minhas mãos se contorcem com espasmos cada vez mais dolorosos. Mas então, mãos envolvem meus braços. Eu me debato, desfiro vários socos, enquanto vejo Katniss se afastando cada vez mais de mim. Isso não pode estar acontecendo. Eu não posso falhar pela segunda vez. Com uma nova onda de fúria e agitação, consigo me livras do aperto das mãos que me seguram, mas em seguida caio com um baque surdo no chão. Levo a mão ao rosto, onde fui acertado com um soco potente. Olho para cima, e vejo Jackson apontando sua arma para mim. Eu preciso matar Katniss. É uma urgência que domina cada membro do meu corpo. Me levanto rapidamente, e me sinto desnorteado pelo soco. Minha visão embaçada, consegue capturar o vulto de Katniss, então eu me lanço desesperadamente para ela numa última tentativa de acabar com isso. De tirar sua vida. Mas desta vez, quando me interceptam pela segunda vez, não tenho forças para revidar. Sinto algemas geladas roçando a pele frágil do meu pulso. Me debato, grito, mas no fundo sei como tudo isso é inútil. Engasgo com o cheiro terrível da onda negra que chega cada vez mais perto.

- Vocês deviam me matar agora – grito. – Pois eu não vou parar, enquanto não ver ela morta.

Eles me ignoram. Continuo a me debater, na esperança de escapar, na esperança de esmagar a cabeça de Katniss, vê-la chorando de dor, sufocá-la até tirar todo o ar de seus pulmões. Minha fantasia acaba, quando sou jogado e trancado em um cômodo pequeno, abafado e colorido. Não, não, não. Como pude falhar mais uma vez? Eu consigo escutar a voz dela, através dessas paredes. Apenas uma porta me separa de onde ela está. Descontrolado, confuso e com lágrimas nos olhos, soco a porta, dou chutes, lanço meu corpo contra ela..., mas de nada adianta. A porta continua no lugar, enquanto sinto como se meu corpo estivesse se desintegrando, a cada segundo a mais que Katniss permanece viva. Exaurido, eu me encolho no chão, e abraço minhas pernas. Um cheiro forte de alcatrão me embriaga. Nauseado, eu fecho meus olhos, e deixo as lágrimas correrem livres por meu rosto. Eu perdi a minha chance. Ela ainda está viva. Mas se depender de mim, não por muito tempo, penso, determinado. Enquanto a sonolência vai me consumindo, começo a traçar infinitos planos para a morte de Katniss. E isso me acalma. Chega até a me dar um tipo de prazer. Vou adormecendo com essa sensação gostosa, de que dias melhores virão, dias em que Katniss não estará mais entre nós.

 Porém de inesperado, um desespero avassalador me acomete. É como se tivessem tirado uma venda dos meus olhos, é como se meu coração começasse a bater novamente. Não... O que eu fiz?... Quero acordar, quero gritar, quero ver Katniss imediatamente, saber se ela está bem. Mas é tarde demais. A escuridão me envolve, e eu adormeço, consciente de que o monstro dessa história na verdade sou eu. 

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora