Capítulo 25

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- Tente dormir – Finnick diz.

Não sei se passaram-se minutos ou horas desde a nossa breve conversa. Comi o restante do pão e me repreendi secretamente por não ter ido jantar. Eu pego meu saco de dormir, mas não me sinto seguro para isso, para dormir. Abraço o tecido estufado, desejando ter alguém para me abraçar. Finnick me lança um aceno de cabeça antes de ir para sua barraca. As chamas da fogueira se resumem a brasas agora, e faz muito frio. Me pergunto quem irá me vigiar, já que o turno de Finnick e Mitchell claramente chegou ao fim. Meu sangue congela, e não é pelo frio, ao ver Katniss saindo de sua barraca. Em seguida vejo Jackson. Ambas estão distantes de mim, porém eu consigo ver o perfil de Katniss, as brasas lançando contrastes bruxuleantes sobre seu belo rosto. O desejo de pintar me atinge ferozmente, e penso que essa imagem de Katniss daria um belo retrato. Ela me olha, e eu me encolho, como se o simples fato de ela me olhar, pudesse me machucar. Sem todos aqueles médicos, guardas, remédios, me sinto vulnerável demais. Talvez com o tempo eu me acostume com isso. Foco em fazer nós na pequena corda. Mas é quase impossível me concentrar. Meu corpo até dói, e se contrai, de vontade de sentir o corpo de Katniss no meu. Sentir sua pele, a maciez dos seus cabelos. Mas se eu ousasse me aproximar dela, ela me mataria. E está certa, pois eu tenho controlado muito meus impulsos de acabar com a vida dela. Talvez eu nem tenha mais coragem de fazer isso. Não antes de sentir seus lábios nos meus uma última vez. Constato que eu preciso de Katniss. De algo que venha dela, e  seja mais do que apenas desprezo.

— Esses últimos anos devem ter sido exaustivos para você. Tentando decidir se me mata ou não. De volta e adiante. De volta e adiante – digo, sentindo a dor em minha cabeça me invadir novamente. No meu íntimo, desejo que tudo fique bem entre a gente. Mas não é como se eu pudesse esquecer ou perdoar tudo o que ela fez, não é como se eu pudesse ao menos distinguir o que foi ou não real.

Mesmo apenas com a luz da lua, posso ver a confusão estampada em seu rosto. E já me preparo psicologicamente para uma discussão. Mas as palavras vêm leves como algodão.

— Eu nunca desejei matar você. Exceto quando pensei que você estava ajudando os Carreiristas a me matarem. Depois disso, sempre pensei em você como... um aliado.

Isso me pega desprevenido. E me deixa ainda mais confuso. Estava tão acostumado a ser tratado com hostilidade por ela. Mas o tom da sua voz, o jeito que ela acaba de falar comigo, me faz recordar de um tempo em que éramos algo, de verdade um para o outro. Mas e se for apenas fruto da minha mente adoentada?

— Aliado — repito, lentamente. — Amiga. Amante. Vitoriosa. Inimiga. Noiva. Alvo. Mutação. Vizinha. Caçadora. Tributo. Aliada. Eu adicionarei essa para a lista de palavras que uso para tentar imaginar você. O problema é, eu não sei mais o que é real, e o que foi inventado.

Minhas mãos se contorcem, e eu me agarro ao pedaço de corda como se minha vida dependesse disto. E talvez dependa mesmo, pois necessito de toda minha força para me controlar e não correr até Katniss, e consequentemente levar um tiro.

— Então você deveria perguntar, Peeta. Isso é o que Annie faz – a voz de Finnick atravessa o lugar.

— Perguntar a quem? Em quem eu posso confiar? – Pergunto, torcendo para não magoar a Finnick. Mas talvez nem ele saiba o que é real. Talvez ninguém saiba. Apenas Katniss.

— Bem, para começar nós somos sua esquadra — Jackson responde, e eu vejo sua silhueta rechonchuda se aproximando mais.

— Vocês são meus guardas — corrijo.

— Isso, também. Mas você salvou uma porção de vidas no 13. Esse não é o tipo de coisa que nós esquecemos.

Silêncio. E ainda mais confusão em minha mente. Moira podia estar aqui para me dar um daqueles remédios. Mas com uma pontada em meu peito, relembro que ela está morta. A doce médica que tentou me ajudar apesar de seus deveres com a capital, está morta. Mordo meu lábio inferior repelindo um soluço. Eu só queria ir para casa. Mas me lembro que também não tenho casa. Não tem ninguém me esperando voltar. Eu tenho apenas... Delly. Mas ela merece alguém que realmente a ame. Talvez eu ainda tenha a amizade de Johanna. E de Haymitch. E Finnick ainda pode se provar realmente meu amigo. Mas nenhuma dessas pessoas merece uma pessoa perturbada como eu em suas vidas. Uma pessoa com esse desejo de vingança intricado ao sangue.Uma pessoa que não faz ideia de quem ela é. Eu deveria apenas sumir. Ou atacar Katniss e merecer a morte. Com sorte, posso leva-la comigo para um mundo além desse em que vivemos.

Aos poucos a escuridão se dissipa, revelando o orvalho abaixo de mim. Estico minha mão, e arranco um pequeno ramo verde do chão. Eu o ergo, e a pouca luz da lua faz o orvalho brilhar. O verde é tão claro.... Me acalma. A corda ainda pende em minha mão, cheia de nós mal feitos. Coloco ela de lado, e deixo o ramo pousado entre minhas duas mãos. De repente, sinto lágrimas queimando em meus olhos. Olho para o lado, e procuro o olhar de Katniss. Como se houvesse um imã entre nós, ela se vira para mim, e seus olhos cinzentos encontram os meus.

— Sua cor favorita é.... verde? – Pergunto, e minha voz falha.

— Está certo. — Ela confirma. — E a sua é laranja.

— Laranja? — Pergunto com receio. Não é uma cor que eu sinto realmente gostar.

— Não laranja brilhante. Mas suave. Como o pôr do sol. — ela diz, e fita o céu, com uma expressão serena. — Pelo menos, isso é o que você falou para mim uma vez.

— Oh. — Eu suspiro, e fecho meus olhos. Tentando me lembrar, de algo belo como o pôr do sol. Uma lembrança me vem a mente. Nós dois, sentados na areia. Talvez tenha sido no massacre. O sol se pondo, lançando raios laranjas, rosados.... Ela está certa.

 — Obrigado – sussurro.

— Você é um pintor. É um padeiro. Gosta de dormir com a janela aberta. Nunca põe açúcar em seu chá. E sempre dá um laço duplo no seu cadarço – ela acrescenta, sua voz embargando a cada palavra, e então se levanta e dispara para sua barraca.

Arfo, surpreso. Meu peito parece queimar de dor e exultação. Porque sua voz estava embargada? E como ela sabe esses pequenos detalhes sobre mim? Coisas que eu nem me lembrava, coisas que me podem me ajudar a voltar a ser quem eu era. Talvez ela realmente se importe comigo. Talvez ela se sinta como eu, tentada a matar alguém, que na verdade ela gosta. E se ela me provar que não é a coisa terrível que povoa meus pensamentos? Tudo poderá ficar bem. Entro em meu saco de dormir, e não me incomodo em limpar as lágrimas em meu rosto. Logo irá amanhecer, logo terei mais um dia para me entender, me descobrir, e acima de tudo, descobrir o que Katniss é, e o que eu represento para ela. Pois para mim, já está bem claro o que ela representa para mim. Tudo. De bom, e de ruim.

Deixo o sono me levar, mesmo consciente de que logo terei que acordar. Em meu sonho, Katniss segura uma criança em seus braços, e quando eu me aproximo consigo ver a semelhança do bebê comigo, e com ela também. Então entendo, que eu sou o pai da criança, e ela é a mãe. Quando Jackson me cutuca receosa, para eu acordar, percebo que estou agarrado a corda de Finnick, e com tristeza, também percebo que o sonho que tive é de fato, o futuro que eu quero ter. 

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora