Capítulo 30

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Não consigo terminar minha sopa. Na verdade, a lata está quase cheia e eu me sinto extremamente culpado de jogar a comida fora. Mas o que eu posso fazer? Simplesmente não desce. Assim que consigo me livrar disfarçadamente da lata cheia, me sento afastado de todos. Homes está de olho em mim. Um pacote de biscoito é passado de mão em mão, e apesar do cheiro ser delicioso, meu estomago revira só de pensar em comer, então eu recuso, e me delicio ao ver Katniss comendo enquanto seus olhos brilham com a sensação. É nessa hora que um bip capta a atenção de todos, e a televisão acende, revelando o brasão de Panem. O hino começa a tocar. Eu estremeço, relembrando da arena. Minhas mãos começam a tremer, enquanto imagens minha, de Katniss, Boggs, Finnick e Gale aparecem na tela. Estamos oficialmente mortos. Só faltou o número do nosso distrito embaixo das fotos. Me sinto sufocado com as terríveis lembranças dos jogos. Nem percebo quando Finnick se posiciona ao meu lado, sua mão pesada apoiada em meu ombro, num gesto solidário. Mas, quando o presidente Snow preenche a tela, nem todo gesto solidário do mundo seria capaz de me acalmar. Eu me encolho, como se ele fosse capaz de atravessar a tela e me machucar. A mão de Finnick agora aperta meu ombro. E eu não consigo sequer olhar para a tela. Pisco furiosamente para afastar as lágrimas, e fecho meus olhos, tapando os ouvidos. Não consigo me controlar. Passam-se vários minutos quando Finnick sussurra que está acabado.

Eu ouço eles conversando entre si, discutindo o que fazer ou deixar de fazer, mas eu apenas me encolho no belo sofá azul. Enjoado demais para me mexer, ou sequer falar. Se ver Snow numa televisão me deixou assim, como eu reagiria vendo-o pessoalmente? Ao menos uma coisa eu tenho certeza, além do meu amor e ódio por Katniss. Eu repudio Snow. Mesmo tendo se passado um longo tempo do pronunciamento dele, meus membros tremem ao relembrar de seus olhos peçonhentos. Como se ele pudesse me ver. E sentir medo desse jeito é terrível. Apenas observo, todos se movendo, apagando os vestígios de que um dia estivemos aqui. Eu fico imóvel, encolhido no sofá, como uma criaturazinha indefesa e ferida. Mas no momento é isso que sou, é isso que eu sempre fui. Fraco. E agora sou uma monstruosidade, fraca. Sei que o momento derradeiro está chegando. O momento em que Katniss terá que escolher entre me deixar para trás, ou me matar logo. E antes que eu estivesse totalmente preparado, o momento chega.

— Eu não vou. Eu revelarei suas posições ou machucarei alguém diferente – digo, quando todos estão prontos para sair e parecem apenas estar me esperando.

— As pessoas de Snow vão achar você — Finnick argumenta, genuinamente preocupado.

— Então me deixem uma pílula. Eu só a usarei se precisar — rebato, sem me deixar comover.

— Essa não é uma opção. Venha junto — Jackson ordena.

— Ou o quê? Vai atirar em mim? — pergunto, sabendo, que vindo dela a resposta talvez seja sim.

— Nós te apagaremos e o arrastaremos conosco — Homes responde. — O que igualmente nos atrasaria e nos colocaria em risco.

— Parem de ser nobres! Eu não me preocupo em morrer! — grito, e me viro para Katniss, desesperado. Quanto mais nos aproximamos da Capital, mais eu me sinto aflito. — Katniss, por favor. Você não vê que eu preciso estar fora disso?

Nossos olhares se encontram, ficando fixos um no outro. Eu tento dizer a ela, por meio dos meus olhos, que se eu for, e acabar matando ela, eu nunca iria me perdoar, que quando eu recobrasse algum tipo de consciência, eu com certeza enlouqueceria, que se isso acontecesse iria ser pior do que qualquer tortura que eu tenha sofrido nas mãos de Snow. Mas se ela compreende meu apelo, não demonstra.

— Nós estamos perdendo tempo. Você vem voluntariamente ou fará nós o derrubarmos? – ela diz, bruscamente antes de desviar seus olhos dos meus.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora