Capítulo 11

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Eu já nem tenho mais noção do que está acontecendo. Sensações como dor, sede, frio, fome tomam conta de mim. Johanna está estirada ao meu lado. Eu sei que ela está viva, pelo suave sobe e desce do seu peito. Mas seu corpo... Está em carne viva. É insuportável vê-la assim. É insuportável, imaginar que estavam violentando ela. Eu odeio a capital, e odeio Katniss Everdeen por ser o motivo de todas essas desgraças. Escuto um bip. Sei que a porta irá abrir, e mentalmente tento me preparar para o que está por vir. Para minha surpresa, um pedaço de pão é jogado, e quica pelo chão imundo de sangue e urina até meus pés. De repente, a dor tão familiar em minha cabeça me acomete. Incapaz de me conter, eu grito, e acabo despertando Johanna. É então que eu me lembro. É como estar enxergando através de uma espessa camada de fumaça. Sou eu, com o rosto sangrando, jogando um pão para Katniss. Ela parece mal. Quase inconsciente. A lembrança se vai tão rápida quanto veio. E eu fico ofegante sem saber se isso é real. Porque eu ajudaria Katniss?

Pisco para apagar qualquer resquício disso, de minha memória, só então reparo que Johanna está sentada, encostada na parede, e fitando o pão que está no chão, bem a minha frente. Seus olhos estão marejados, me pergunto a quanto tempo ela não come. Com uma dificuldade imensa, consigo me curvar, pegar o pão e o colocar nas mãos algemadas de Johanna, que começa a devorar o pão velho, num desespero assustador. De repente ela para, e como se estivesse envergonhada, estica o pão em minha direção. Por mais que eu esteja faminto, não consigo aceitar. Temos que reconhecer quando alguém precisa de algo mais que a gente. Empurro o pão de volta para ela, e enxergo um pequeno sorriso. De gratidão. Ela termina de devorar o pão, e deixa seu corpo tombar no chão novamente.

- Sabe – ela sussurra, após algum tempo. – Eles podiam apenas me matar.

Penso em alguma resposta. Mas o que posso dizer? Eu sei como é querer morrer. Como é não ter ninguém te esperando...

- Você não tem ninguém te esperando? – pergunto, e minha voz sai entrecortada.

- Não – é tudo o que ela responde.

Afundamos em mais um silencio profundo.

- Eu também não – digo, e por algum motivo, minha voz está embargada.

Johanna me olha, aparentemente com espanto.

- Você tem Katniss – ela praticamente grita. – Vocês têm um ao outro.

Eu a olho, perplexo.

- Você não sabe de nada. Se eu pudesse matava Katniss – digo.

Johanna dá uma risada fungada.

- Sabe, eu te entendo. Na arena eu também quis matar ela, várias vezes... Ou ao menos dar uns tapas nela, para quem sabe ela perceber o que estava acontecendo. – Johanna diz, e um sorriso paira em seus lábios.

Continuo em silêncio.

- Vocês tiveram sorte – ela murmura.

- Sorte? – explodo. – Que tipo de sorte é essa, Johanna?

Ela balança a cabeça, e bufa, o que parece lhe causar muita dor. Após alguns minutos, ela consegue se sentar novamente, e fita os próprios pés com o olhar perdido.

- Nem sempre foi assim... – ela começa, saudosa. – Eu tinha família. Uma casa. Um emprego... Tudo era tão miserável, mas eu tinha.

- O que aconteceu com eles? – pergunto, quando ela não torna a falar.

- Estão mortos – ela diz e dá de ombros.

- Sinto muito – sussurro.

- A culpa foi minha – ela diz, e eu posso ver a raiva crescendo dentro dela. – Quando eu ganhei os jogos, os nojentos da capital me queriam.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora