Capítulo 44

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Katniss e eu enfim voltamos a conviver. E quando eu digo conviver, envolve conversas no final da tarde, fazer as refeições juntos, e por vezes até consigo arrancar alguns sorrisos de seus lábios. E isso aconteceu, depois da primeira vez que ela dormiu em meus braços. Isso também tem se repetido. Toda noite. Naquela primeira vez, me lembro de ter acordado momentaneamente desnorteado. O calor de Katniss me trouxe a realidade, e logo eu comecei a ficar apavorado com a reação que ela poderia ter. E se ela achasse que eu de alguma forma estava me aproveitando de sua fragilidade? E pior, e se ela me repudiasse e deixasse claro de uma vez por todas que não gostava de mim, da forma como eu desejava? Mas, todos esses pensamentos foram dissipados, quando para minha total incredulidade, percebo os olhos de Katniss bem abertos, olhando para mim. Sua mão continuava repousada em minha barriga, segurando minha camisa. Já era de manhã, o sol batia insistente contra a janela, fazendo uma espiral de reflexos sobre nós. Ela não parecia zangada, nem nada do tipo. Parecia apenas relaxada, em paz. Senti minha boca seca, a necessidade de tentar me explicar, contar como fui incapaz de deixa-la ali, sozinha, com seus pesadelos, mas antes que eu pudesse sequer formular as palavras, seus lábios se moveram lentamente e ela disse duas palavras que me fizeram sorrir, e entender que a muralha entre nós havia sido finalmente derrubada.

Ela disse apenas "bom dia, Peeta".

Porém, em meio a minha satisfação de ter pelo menos a amizade e confiança de Katniss novamente, há a incerteza sobre a minha recuperação. Tenho tido flashbacks nada agradáveis... Apesar de saber que as imagens distorcidas produzidas pelo veneno em minha mente, não são reais, tenho medo de fazer algo contra Katniss. Tenho me esquecido de algumas coisas também... Coisas simples, como o número do telefone da casa de Katniss... Coisas graves, como o nome de alguns dos companheiros da esquadra em que estávamos quando partimos rumo a invasão a capital. Quando confessei isso a Katniss, ela sugeriu que voltássemos a jogar aquele jogo que Jackson, cuja eu tinha esquecido o nome, havia inventado. Real ou irreal. É o que estamos fazendo. E há também o livro. Katniss está tão empenhada nisso como eu não a via há muito tempo. Eu desenho com o máximo de precisão as cenas que ela descreve. Ela escreve com sua bela caligrafia, a sua lembrança sobre o momento. E é tudo muito intenso e lindo. Até Haymitch resolveu parar de beber ao menos um pouco, e se juntar a nós para adicionar suas próprias memórias ao livro. É incrível como ele se lembra de tantos detalhes. Há tardes em que rimos bastante com alguma memória engraçada. Eu adiciono lembranças minhas também, as poucas coisas que lembro de ter passado com minha família, que me fizeram feliz. São pouquíssimas coisas, mesmo.

Nesse momento Katniss deve estar na floresta. Ela foi caçar, bem cedo, coisa que ela também tem feito várias vezes. Esses são os momentos mais longos em que passamos distantes um do outro. Ela disse que não voltaria até achar carne decente para Greasy Sae fazer um ensopado de qualidade para nós. Aproveito esses momentos em que ela está longe, para cuidar de mim. Saio da banheira e enxugo minha pele com cuidado. Tão focado em me reaproximar de Katniss, descuidei de meus remédios, e agora estou literalmente sentindo na pele. Pego em meu armário, uma pomada que o Dr. Aurelius mandou, e passo em minha pele maltratada. Será que ficarei para sempre com essa aparência? Suspiro, e procuro uma roupa para vestir. Que de preferência cubra boa parte do meu corpo, pois eu mesmo não suporto olhar para cicatrizes tão feias. Por sorte, ao menos meu rosto tem cicatrizado bem. Quando termino de me vestir, escuto o telefone tocando. Deve ser Katniss. Ela disse que ligaria assim que chegasse. Corro, como sempre faço quando sei que é ela quem está ligando. Ela poderia gritar para mim ir até a casa dela, visto que moramos extremamente perto, mas ela prefere me ligar. Deve ter algum motivo específico para isso. E eu também gosto. Soa como algo quase romântico. Mais romântico que ficar gritando meu nome do outro lado da rua.

Chego até o telefone.

- Espero que você tenha conseguido pegar alguma coisa, Katniss, pois estou chegando na sua casa, com agua na boca pelo ensopado que você prometeu – digo, assim que atendo.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora