Capítulo 19

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Acordo inexplicavelmente com um nó na garganta. O tubo não está mais inserido em minha boca, mas as gélidas algemas me fazem lembrar logo onde estou, por tudo o que passei, e o que eu sou. Um prisioneiro. Olho para os lados, esperançoso por encontrar alguém. Johanna, Haymitch, até mesmo Ellean. Mas não há ninguém. O peso da solidão se afunda em meu peito. Até mesmo ter Katniss aqui, poderia me fazer sentir melhor. Ao menos não estaria tão sozinho.

Quando estou quase sucumbindo as lágrimas, a porta se abre. Um guarda, obviamente armado, calvo, e com uma expressão de solidariedade me encara.

- A presidente Coin deseja vê-lo, Peeta Mellark — ele diz e oferece a sua mão para me ajudar a levantar. Este simples gesto, me deixa ao mesmo tempo emocionado e com receio. Faz tanto tempo que alguém não faz algo gentil para mim, que não sei mais como reagir. Decido aceitar sua ajuda, e ele me guia por corredores, e elevadores. Passo de cabeça baixa entre as pessoas, que sussurram coisas, como traidor, louco, maldito, e até assassino. Mas, o que eu fiz, além de ser torturado, para todos me odiarem assim? É Katniss que deveria despertar esse ódio neles, no entanto ela é tratada como uma heroína. Eles não conseguem simplesmente ver o que está bem abaixo do nariz deles? Quando estamos passando por um refeitório, Alguém cospe em mim. Levanto a cabeça, e limpo minha bochecha com as costas das mãos. Um tremor familiar de ódio percorre meu corpo. Deveriam todos morrer mesmo, penso. Estou fazendo papel de louco, tentando alertá-los do real perigo enquanto cospem em mim. Não sei se sou capaz de aguentar tanto. Dou um passo na direção do homem, pouco mais alto que eu. Ele me encara num misto de desafio, e nojo. O guarda que me acompanha segura meu braço, mas não forte.

- Peça desculpas — o guarda diz ao homem.

- Prefiro morrer. Vai defender este verme, Boggs? Logo você? —  o homem retruca e se aproxima ainda mais.

O guarda, Boggs, me arrasta calmamente pelo resto do refeitório, em silencio. Sinto todos os olhares sobre mim. Vislumbro Delly sentada ao fundo, com os olhos marejados. Ao menos há compaixão em alguém, neste lugar.

Finalmente saímos de perto das pessoas e paramos em frente a grandes portas. Olho para meus pés, calçados com botas desgastadas. Minha cabeça começa a doer. Escuto a porta ranger ao se abrir para os lados, e me deparo com uma enorme sala, cheia de telas, fios, microfones. Alta tecnologia para quem está no subsolo. As feridas em meus pulsos coçam, e eu nem ao menos posso coçá-las. Soaria estranho pedir a Boggs para fazer isso por mim. Mas a coceira é quase insuportável. Há uma espécie de pódio no centro da sala, tento me concentrar nos detalhes para esquecer a coceira, e as pontadas em minha costela. Até que meus olhos encontram os olhos atentos de uma mulher. Que sem nenhuma apresentação, é possível saber se tratar da presidente Alma Coin.

- Deixe-nos a sós, por favor — ela diz, áspera.

- Mas... presidente — Boggs começa.

- Não vou machuca-la - me ouço dizer. Pois eu sei que seu protesto é por medo de que eu faça algo.

Boggs olha de mim para Coin, mas vencido, sai da sala.

- Estarei do lado fora, se precisar — ele diz.

Alma anda em minha frente, e sem outra opção eu a sigo. Me pego surpreso, por ela andar de costas para mim. Essa mulher não tem medo de que eu a ataque pelas costas? Seu cabelo, mal se move enquanto ela anda ereta. Ela usa um macacão comum. Nada como na capital. Ela para abruptamente e se vira para me olhar. Faz sinal para que eu me sente, e se senta de frente para mim. Há uma fileira de cadeiras, isso parece uma sala de reuniões ou algo do tipo.

- Espero que esteja sendo tratado adequadamente Peeta Mellark — ela diz, suavemente.

- Para um louco, estou sendo tratado da melhor maneira possível, presumo. Passo a maior parte do tempo dopado — jogo as palavras, com amargura.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora