Capítulo 36

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Ao contrário do que se é esperado, eu não corro para longe. Eu corro na direção de onde veio as explosões. É possível ver a fumaça espessa, e o pior... O cheiro de carne queimada. Eu empurro as pessoas na tentativa de chegar mais perto, tenho vislumbres de alguns rostos que parecem assustados ao me ver. Meu capuz não está mais sobre minha cabeça, por isso imagino que meu rosto e meus cabelos loiros devam estar chamando a atenção. Quando chego ao local da explosão o mais puro horror me acomete. Há uma barricada de mais ou menos um metro, cheia de crianças. Na verdade, está cheia de pedaços de crianças, gritos, sangue. A explosão foi aqui. Vejo algumas crianças ainda segurando paraquedas prateados, e a lembrança dos jogos, a cena dessas crianças mortas e despedaçadas, me faz cair de joelhos. Eu não vou conseguir. Eu não vou me controlar. Meu corpo começa a sacudir violentamente, ao mesmo tempo moradores da capital fazem um círculo ao meu redor. Enfim, meu reconhecimento. Um homem com uma longa barba roxa, dá literalmente o pontapé inicial, chutando com força meu rosto. Em seguida socos e chutes partem de todos os lados. A dor me distrai do colapso, e eu não me importaria em morrer aqui e assim, se ao menos eu soubesse que Katniss está bem. Logo meus joelhos também cedem, e eu tombo na neve, minha costela que nunca ficou cem por cento curada se quebra novamente, eu sei disso, pela dor que sinto. Os golpes não cessam, mas não há nada que eu queira fazer para impedir. É então que de repente, eu escuto uma voz, chamando um nome, que soa parecido com Prim. Não pode ser. Levanto minha cabeça, para distinguir melhor o som, e levo um soco no rosto que me deixa desnorteado momentaneamente, mas não o suficiente, pois eu consigo reconhecer. É Katniss. E está perto. Com uma força que eu nem sabia possuir, eu consigo me levantar, e soco os que estão em meu caminho. Ouço Katniss chamar o nome de Prim mais uma vez. Agora há uma multidão muito maior ao meu encalço. Não tenho outra alternativa. Pego minha arma, e disparo, até abrir uma brecha, deixando uma pilha de corpos ao meu redor. Respiro com dificuldades, caminho o mais rápido que posso deixando uma trilha de sangue atrás de mim. De repente avisto Prim, com um uniforme branco, longos cabelos loiros caindo em uma trança sobre suas costas. Ela está na barricada, junto com outros médicos que só podem ser do distrito 13. Avisto Ellean, pálida, mais a frente. As crianças ainda vivas se apegam a elas como se fossem a salvação, o que de fato elas são. Mas a atenção de Prim está focada em outro lugar. Sigo seu olhar e me deparo com alguém, se movendo em direção a barricada. Cabelos escuros balançam enquanto a figura se move. Sorrio. Finalmente Katniss. Começo a correr na direção dela, quando sou arremessado ao chão, por outra explosão. Não. Não. Não. Não pode ser. Há um zumbido em meu ouvido. Tento me levantar, caindo várias vezes. Avisto a barricada, onde agora há apenas chamas. Todas aquelas crianças. Ellean. Prim. E provavelmente Katniss.... Estão todos mortos. As lagrimas me cegam, enquanto eu pulo por cima de corpos pegando fogo, atiro em pessoas que tentam me pegar, até que me deparo com Katniss, no chão, agonizando, e em chamas.

Tiro meu sobretudo, e tento apagar as chamas, mas o material parece combustível, e logo parece que o fogo irá aumentar. Jogo-o para o lado, enquanto os gritos de Katniss trazem à tona toda a escuridão, da qual tentei fugir. A vontade de matá-la me sufoca. Eu aponto a arma para seu corpo se contorcendo. Eu não posso fazer isso. Meu dedo está no gatilho. Meu corpo treme, e dói de uma forma excruciante enquanto eu tento vencer a luta mais importante e difícil de todas. A luta interior, entre o bem e o mal que habitam dentro de mim. Com um grito, consigo jogar minha arma para longe, e arfo, feliz. Pois eu venci. Dessa vez. Nesse instante, uma multidão insana chega até mim, e eu sei que chegou ao fim. Eles olham para Katniss com uma raiva, e ferocidade fatal. Não penso duas vezes antes de me jogar sobre ela, e sentir suas chamas me queimando, ao mesmo tempo que absorvo a ira de pessoas desvairadas em forma de mais socos e chutes, e até pauladas.

Parecem passar horas, enquanto eu sinto o fogo consumindo minha carne. Escuto tiros. Mas não sei dizer de onde vem. Se é real. No momento a única coisa real, é o corpo de Katniss sob o meu. Queimando. O fogo passando dela para mim, numa corrente dolorosa e interminável. Não sei se estou gritando, o que provavelmente estou. Mais tiros. Os golpes diminuem, até se extinguirem. Sinto meu corpo sento tirado de cima do de Katniss. Algo gelado entra em contato com minha pele. O que é ainda mais doloroso. Grito. Não tanto pela dor. Mas por não saber o que estão fazendo com Katniss.

- Katniss – sussurro e a ânsia me corroe. Vomito, me engasgando e me asfixiando, com meu próprio sangue.

- Peeta – alguém chama, parecendo estar muito longe. Consigo abrir os olhos e grandes olhos azuis marejados, me encaram.

Alguém me levanta parcialmente e eu vomito mais sangue sobre mim. Esse simples ato, me faz oscilar, até quase perder a consciência. Olho para o lado, e a centímetros de mim, vejo Katniss, imóvel, o fogo extinto de seu corpo quase totalmente queimado. Ela começa a se debater, sangue verte de seus lábios, entrando em contato com queimaduras, fazendo fumaça subir. Há neve por todo o seu corpo. Percebo que há no meu também. Isso deve ter extinguido o fogo. Mas ela não vai sobreviver. Tampouco eu. Posso sentir. Mais lágrimas escorrem por minha face, enquanto eu rastejo os poucos centímetros que me separam dela. Há muita correria, e tiros ao nosso redor, mas eu permaneço alheio a tudo isso. Alcanço a mão de Katniss e a aperto. Consigo puxar seu corpo para mim. Enterro meu rosto em seu pescoço, que ainda está extremamente quente.

- Não, Katniss! Não! Você não pode ir! – suplico.

Ela geme, e após mais alguns segundos, para de se debater. Eu não tenho mais forças, então paro de lutar, toda dor e agonia me consome, enquanto meus olhos se fecham, e eu vou sentindo com alívio o peito de Katniss subindo e descendo contra meu rosto.

Alguém sacode meu ombro, e grita meu nome. É Carolynn. Ainda há alguns tiros, que parecem estar cada vez mais longe. Na verdade, eu sei que eles estão bem perto, e que sou eu que estou partindo.

- Peeta – Carolynn chama, e eu consigo abrir meus olhos para fitar os seus, no que eu sei ser a última vez.

- Cuide bem dela – sussurro, e deixo meus olhos se fecharem, desta vez, para sempre.

A Esperança - Peeta MellarkOnde histórias criam vida. Descubra agora