Capítulo 01

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    Hoje faz 3 meses que fugi do hospital, apenas com a roupa do corpo.
Pegando carona escondida na boleia de dois caminhões, após algumas horas de viajem cheguei a capital, cidade de Malta.

Nos primeiros dias foi difícil, uma jovem com 17 anos, sozinha, sem dinheiro, eu não tinha muitas opções.
Mas com sorte encontrei um anjo no meu caminho, padre Cláudio, me viu sentada na escadaria da igreja e me convidou a entrar.

Após um prato de comida quente e roupas limpas, me ofereci a lhe ajudar na limpeza da igreja em troca do seu favor. Apartir de então permaneci na paróquia por quase um mês. Logo as senhoras que faziam parte da igreja me pediam ajuda, para fazer suas compras, passear com o cachorro ou limpar suas casas, assim consegui alugar um quartinho, o espaço tinha aproximadamente 14 m², um único cômodo e um banheiro minúsculo, mas era oque meu pouco dinheiro poderia pagar, havia dia que fazia apenas uma refeição, mas tudo ficaria bem, ao menos estava longe daquele mostro e contando com a sorte de nunca ser encontrada.

As roupas que tenho foram de doações do bazar da igreja, mas está ótimo.
Hoje é dia de ir para casa da senhora Judite, sua funcionária folga dia de sexta-feira, seu marido está doente, não pode ficar só, pois ela trabalha. Então irei ficar com ele até que ela volte, oque é bom, porque assim consigo fazer duas refeições em sua casa, não preciso gastar.

Assim que cheguei ela já não estava, sai muito cedo, segundo seu marido o patrão dela é muito exigente.
Fui para cozinha e organizei as receitas com os horários dos remédios do senhor Murilo, fiz um quadro com os nomes e horários e colei na porta da geladeira. Fiz um suco para que ele tomasse junto aos medicamentos, peguei suas roupas e coloquei na máquina, e fui limpar a casa, ela não me pediu, nem me pagaria por isso, mas Dona Judite trabalha fora, está com o marido doente, é folga de sua funcionária, ela está sobrecarregada tadinha, não me custa nada ajudar, também não ficaria sem fazer nada enquanto senhor Murilo tirava um cochilo, pois suas medicações eram muito fortes e lhe causavam indisposição.

O dia passou muito rápido, por volta das 19:00h o senhor Murilo já estava tomado banho, alimentado e deitado em sua cama assistindo ao noticiário.

— Boa noite minha filha! — disse Dona Judite após entrar e retirar seus sapatos.
— Boa noite Dona Judite! Como foi seu dia? — ela sentou-de na mesa e deu um longo suspiro cansado.
— Difícil minha filha, muito difícil. — falou enquanto esfregava a testa.
A senhora baixinha e sempre simpática parecia mais magra do que realmente era, ela aparentava ter aproximadamente 55 anos, mas devido sua aparência cansada e abatida poderia dizer que tem mais.
— Vou lhe servir uma sopa quentinha e um café fresquinho que fiz. Nada como um prato de comida para elevar o ânimo.

Então ela levantou a cabeça olhando entorno, para o fogão, em seguida seus olhos correram os demais cômodos da casa, parecia só agora perceber oque eu havia feito, espero que ela não me dê uma bronca e me ache intrometida, por me meter nas suas coisas. Antes que ela falasse algo me desatei a falar, em minha defesa.

— Perdão Dona Judite, mas achei que a senhora estaria muito cansada para quando chegar ter que lhe dar com o jantar e os afazeres domésticos, então tomei a liberdade de fazer-los, também fiz um quadro de informações sobre as medicações do senhor Murilo, programei o aparelho de celular dele para que desperte nos horários indicados, e assim não perca os horários, sinto muito, me perdoe se eu fui intrometida e...
— Shiiuu... — disse a senhora abatida me interrompendo — Acalme-se minha filha, não vou reclamar, como poderia, você fez além do que lhe paguei, eu sei que fez de bom coração, você é uma jovem de coração puro, obrigada minha filha, que Deus lhe abençoe. — ela mexeu na bolsa — estou impressionada com sua organização, oque é esse quadro? Perfeito. — estendeu a mão com uma nota de R$ 100,00 — Tome!
— A senhora já deixou o dinheiro sobre o aparador da sala, eu já peguei.
— Tome! Pegue! Quero lhe dar mais um pouco, você mereceu. — aquele dinheiro seria muito bom para mim, mas eu não fiz pensando em obter mais dinheiro, fiz para que ela descansasse ao chegar, não me custou nada, eu ficaria a tarde toda sem fazer nada, só de olho no senhor Murilo.
— Desculpe senhora Judite, mas não posso aceitar, fiz porque quis, não para que a senhora me pague mais, sua gratidão já é o suficiente.
Ela me avaliou por alguns segundos e guardou o dinheiro.
— Já comeu?
— Não senhora!
— Então sente e coma comigo, por favor! — eu assenti com um sorriso — Vou olhar o Murilo como esta e lavar as mãos já desço.

Ela não demorou muito, logo sentamos e comemos juntas. Ela conversou sobre seu trabalho, ela era secretaria de um grande arquiteto, na verdade ela era secretaria do pai, e com a morte do pai ela ficou como secretaria do filho, mas agora ela já não consegue mais trabalhar com tanta disposição, ela pretende se aposentar, mas o patrão dela só aceitará caso ela indique alguém de sua confiança e que ela ensine a tal pessoa.

Ela falava do trabalho com tanto amor, mas ela falava do senhor Murilo com os olhos brilhando e logo vi que sua escolha de se aposentar era o melhor que ela faria.

— Então filha, já sei que não tem pais, mas não possuí nenhum outro parente vivo? — um arrepio percorreu minha espinha ao ouvir ela mencionar algum parente, senti minhas mãos suarem, minha vista escurecer, respirei fundo afim de dissipar o mal estar.
— Não senhora, digo, nenhum que valha a pena ser lembrado. — perdi a fome.
— Você terminou os estudos?
— Sim senhora — eu respirava com dificuldade— na verdade eu era adiantada na época do colégio, concluí o ensino médio aos 16 anos, um mês após a conclusão meus país faleceram. — odiava ter que falar do passado recente, relembrar é como se milhares de pontas de agulhas fossem enfiadas em meu corpo.
— Não gostaria de trabalhar em algo melhor, minha filha? Você é jovem, linda, inteligente, poderia ter um futuro brilhante, fazer uma faculdade talvez.
— Claro que gostaria, mas não tenho tantos conhecimentos nessa cidade, tão pouco possuo dinheiro para que possa sair por aí batendo perna para achar algo melhor, e sobre fazer faculdade é um grande sonho que tenho, mas quem sabe um dia quando tiver um emprego.
— Entendo... E se eu te indicasse um trabalho, não seria um trabalho fácil, mas você aceitaria? — seu olhar percorria meu rosto me avaliando.
— Claro que sim, não tenho medo de trabalho difícil senhora Judite, vim do interior, sou acostumada a trabalhar desde cedo.
— Ótimo! — seu rosto se iluminou com um sorriso.
— Vou te apresentar meu chefe na segunda. Se ele topar, irei te ensinar tudo que sei para que seja uma secretária atenta. Dedicada já vi que você é, além de organizada e inteligente. As demais coisas com a rotina e a prática você vai aprendendo.

Eu deveria estar feliz com a possibilidade, mas devido os últimos acontecimentos em minha vida quando as coisas caminhavam bem é porque iriam piorar e eu não estava com um bom pressentimento.

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Indicação de música para este capítulo: Lovely - Billie Eilish 😉

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