Após entrar apressada no quarto fui até a varanda, a respiração descompassada a sensação de estar sufocando me rondava.
A forma sínica e maliciosa que aquele homem me olhava, minuto atrás, me despertou o medo, pois suas atitudes fizeram me recordar daquele verme.
Eu queria agradar o Nick, me forcei a permanecer no jantar, fui ao banheiro para não preocupa-lo, mas eu jamais imaginava que minhas atitudes poderia gerar algum mal entendido, mas nunca pensei que levantariam suspeitas contra Nick.
Debruçada sobre a varanda, olhando a noite nublada, lágrimas quentes escorriam em meu rosto.
Ouvi a porta do quarto se abrir.
— Amor, vocês está bem?
— Me abraça.— falei entre lágrimas — Desculpa estragar o reencontro com seus amigos.
— Esta tudo bem. Eles não são meus amigos, eram amigos de meu pai. Eu não deveria ter aceitado.
— Na verdade eu quem insisti, e depois eu queria te agradar. — justifiquei-me.
— Me agradar? Você não precisa me agradar.
— Eu sei, mas é que você ficou estranho de repente, pensei que havia feito algo errado.
— Não, meu amor. Eu fui um idiota se deixei parecer isso, mas é que eu sabia que o jantar da família Sanches sempre há muita bebida, e isso iria me deixar irritado, devido a abstinência. É sempre difícil lhe dar com a vontade beber, principalmente porque conheço o pulha do César de outros carnavais, ele é sempre desagradável em nossos encontros, além de ser um invejoso, eu não queria lhe expor e isso virar um joguinho para ele, entende.
— Sim, entendo agora que você explicou, mas confesso que pensei que estava com vergonha de mim. Primeiro, ao negar o jantar e depois por não ter confessado que eu era sua secretária, nem entrar em detalhes sobre nossa relação.
— Não. Jamais seria está a razão, não pense besteiras a meu respeito, eu só não queria entrar no jogo dele. Ágata, todos os dias você luta com seus traumas e suas lembranças desagradáveis. Eu, luto todos os dias com a abstinência do álcool, das drogas, e da vontade constante que sinto em me meter em confusão e bater tudo e qualquer coisa que me desagrade.
-— Desculpa, eu só percebi seu desconforto quando você começou a mexer a perna de forma frenética.
— Não se desculpe. Os dois falharam, lembra, somos novos nesse lance de relacionamento, mas já deu para perceber que o diálogo é importante em qualquer situação. Então, eu deveria ter me aberto com você antes do jantar.
— Tudo bem. Eu também deveria dizer oque estava pensando, mas não quero mais pensar sobre isso, ainda não me sinto bem.
— Quer praticar o 5,4,3,2,1?
— É isso! — exclamei, como se acabasse de descobrir algo fantasticamente inédito.
— Isso oque?
— Nós precisamos de um código, uma palavra, um gesto, qualquer coisa que possamos usar diante das pessoas para que, só nós, saibamos quando estiver precisando de ajuda.
— Me parece uma boa ideia. Qual seria nosso código?
— Não sei, — mordi o lábio, ao pensaram — temos que pensar em algo natural.
— Passar a mão no cabelo, talvez? — sugeriu Nick.
— Nick, você sabe quantas vezes no dia você passa a mão no cabelo? — ele negou — Quando está irritado, estressado, cansado, com fome, a lista é imensa.
— Ora, ora, então a senhora me observa muito mesmo. — falou de forma convencido e me puxou para um abraço.Fiquei envergonhada.
— Vamos pensar em algo. — mudei de assunto.
— Está bem, mas preciso saber, você ainda quer ficar aqui? Se preferir posso tentar vaga em outro hotel, mas não seria tão luxuoso quanto este.
— Não me importo com luxo, mas devido a tempestade acho difícil haver vagas. Vamos ficar no quarto, amanhã podemos partir.
— Como preferir. Agora, vou pedir nossa refeição aqui no quarto.
— Por favor, estou morrendo de fome. — confessei — Acho que o álcool abriu minha apetite.
— Hum, bom saber. — disse Nick piscando para mim.Não havia entendido até um sorriso se forma em seus lábios.
— Nick! — tapei o rosto com as mãos.
— Ok! — levantou as mãos em rendição e seguiu em direção ao telefone.Nick, pediu as refeições.
Quando a refeição finalmente chegou, junto a ela havia um bilhete com os pedidos de desculpas da família Sanches.
Nós jantamos, conversamos, ele fez uma chamada de vídeo para falarmos com a Olívia.
Fiquei emocionada quando ela pareceu me reconhecer, mas a ligação caiu, a tempestade se intensificou e nosso sinal começou a falhar.
Nos preparamos para dormir, e enquanto escovava o cabelo para prende-lo em um coque frouxo, Nick escovava os dentes e olhava-me através do espelho, sorrindo.
— Oque foi? — Perguntei envergonhada.
— Não sei, mas a naturalidade que agimos diante de coisas tão pessoais me parece surreal ainda. — confessou ao finalizar a tarefa enxugando o rosto com uma toalha.
— Também sinto o mesmo, mas é tão natural que não me assusta, talvez seja obra do destino, coisa Deus.
— Você acredita ?
— Em que? — perguntei finalizando meu penteado.
— Esse lance de Deus e destino.
— Claro, pense pelo lado "positivo", imagine que nada de ruim houvesse acontecido comigo, eu não teria fugido para está cidade, não encontraria Dona Judite, não conseguiria este emprego, não teria oportunidade de conhecer você, que só me faz bem. — falei passando a palma da mão seu rosto.
— Você é incrível, consegue ver bondade em tudo. Eu acho que Deus me abandonou, mas agora quer se redimir e me presenteou com você, mas ainda assim não estou 100% seguro de que isso possa ser uma pegadinha e que uma hora o pior pode acontecer. — confessou pensativo.Lhe abracei.
Nick quase morreu nas mãos de criminosos, perdeu seu pai, perdeu sua irmã e seu melhor amigo, não lhe culpo por pensar assim.
Eu também tenho meus momentos de revolta e culpa pela morte de meus pais, mas acredito que as lágrimas e orações feitas enquanto estava presa naquele quarto, surtiram efeitos. Afinal, eu estou livre, pelo menos fisicamente livre, pois psicologicamente sei que há um longo caminho a percorrer.
Resolvi não entrar em conflito a cerca da fé de Nick, mas eu vou aos poucos tentar lhe mostrar que Deus sempre guarda o melhor para nós.
E hoje tenho a certeza de que Deus não nos abandona, e que nunca é tarde demais para recomeçar.
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Indicação de música para este capítulo: Sia - I'm Still Here
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Recomeçar
RomanceÁgata Andrade, 18 anos, é uma linda jovem com marcas profundas e cruéis para sua pouca idade. Nascida numa pequena cidade do interior, filha única de Mário Andrade e de Dona Marina. Um trágico acidente põe fim na vida dos pais da jovem garota, mas...